NO CORREDOR DA REALIDADE

Respirou fundo antes de "encarar" mais uma vez o corredor. Passou uma das mãos no rosto e mesmo com o clima frio, sentiu o suor que brotava na fronte.

De súbito lembrou-se da formatura. O sonho. Uma noite de gala onde vestido com uma beca, prestou o juramento pela vida. Lembrou-se ainda do abraço do Pai, seguido do beijo na mãe. A partir daquele momento deixava de ser o Pedrinho e passava a ser o Doutor Pedro Henrique, médico, especializado em cardiologia. Sentiu uma lágrima teimosa brotar. Sorriu meio que sem querer. Agora? bem, agora vivia a realidade da emergência de um hospital público onde assim que chegou ouviu a promessa de investimentos;depois a mesma coisa e depois do depois o mesmo discurso. Quatro anos depois continuava atendendo sem recursos e com a dura realidade da saúde pública do país.

Finalmente abriu a porta. Encarou as pessoas. Gente. Deitadas ao chão. Amontoadas como cena de filmes de guerra. Algumas tentavam falar, outras gritavam com as dores. O olhar de outros pediam algo como "Faz alguma coisa". Doutor Pedro seguiu até a pequena sala da emergência onde uma mulher, com cara de "poucos amigos" e mais ou menos trinta anos o aguardava. No colo, uma menina de três, "Lívia", conforme a ficha. Pedro perguntou "O que há com ela, mãe?" como resposta um amontoado de palavras que não explicaram. Tocou levemente o corpinho magro e sentiu a febre. Deitou a menina e escutou o pulmão. Não tinha mais duvidas: era uma infecção pulmonar, porém o aparelho de RX estava queimado há dois anos. Medicou a menina com o único analgésico disponível e solicitou a mãe que esperasse um pouco no corredor. Continuou com os atendimentos. De repente, a mãe da menina entrou no consultório aos gritos com a filha desfalecida no colo. Pedro ignorou as acusações e concentrou sua atenção para a menina. O choque foi o mais duro da vida. Lívia, a menininha, estava morta. Não havia mais o que fazer.

Dias depois, a autopsia constatou que a menina era alérgica a substancia do analgésico. Pedro recebeu a noticia com a tristeza do dia a dia e não sabia mais se continuaria. Saiu da sala do Diretor do Hospital e ouviu na televisão localizada na cantina o discurso: "Nunca na historia deste país...". Olhou mais uma vez para o corredor onde os rostos ainda pediam ajuda. Chorou e se foi.