GREVE DE FOME

Em um dia ensolarado cheguei. Mamãe já não era nenhuma menina, eu fui uma espécie de surpresa na vida dela. Mas, naquele dia, a alegria estampada em seu rosto, eu era tudo, eu era o que de melhor havia no mundo. O sorriso largo de papai contagiava a todos; é o meu menino! Ele dizia a todo instante. Minha irmãzinha, apesar do ciúme, me achou engraçadinho e meu irmão preferia jogar bola enquanto esperava eu crescer mais um pouquinho. Meus avós não saíam de perto do berço, sempre falando baixo e direcionando sorrisos e olhares meigos para minha pessoínha. Meus tios, todos os dias, encontravam um tempinho para ir me ver. A vida estava tão boa e eu estava gostando, eu estava feliz! Entretanto, com poucos meses de idade levaram-me para longe. Está certo que fui com meus pais e com meus irmãos, mas nem parecia, e, os mimos da vovó, do vovô e dos meus tios, esses eu perdi de vez.

Em nosso novo lar, os manos foram cuidar de suas vidas; novos amigos, nova escola, novos brinquedos, novo quintal, nova cidade; papai saía cedo para o trabalho e só voltava à noite, mamãe, também, vivia às voltas com a casa nova, móveis novos, limpeza, compras, organização, assim que, eu, definitivamente, não era mais o centro das atenções. Eu percebi isso tudo e senti muito, doeu tanto, chorei, chorei com todo o meu sentimento, chorava alto, chorava baixo, chorava quando havia alguém por perto e chorava sozinho na penumbra do meu quarto. Tornei-me um menino triste, e o pior, eu nem sabia falar, eu nem podia contar para alguém o que se passava em meu coração, se bem que eu iria falar com quem? Eu estava só!

Foi meio sem querer que fiz uma greve; parei de comer, não aceitava quase nada de comida, nem de mamadeira; sei lá, eu nem sentia fome! Meu pequeno corpo sofria, desenvolvia-se lento demais, eu não crescia, não engordava e a cada visita ao pediatra minha mãe se desesperava, pois eu me mantinha abaixo da média de peso e altura para a idade. Mamãe começou a se preocupar, fazia de tudo para que eu reagisse. Ela comprava coisas diferentes, frutas, papinhas, biscoitos, leites e cereais de várias marcas. Aquele monte de coisas que a mãe comprava me deixava ainda mais confuso. Cada hora um gosto diferente, cheiro diferente, textura diferente, cor diferente, era uma loucura e eu estava ficando apavorado. O jeito era engolir algumas daquelas porcarias para que mamãe largasse do meu pé.

Assim continuamos por alguns meses, até que ouvi uma palavrinha mágica que nunca mais esqueci e nem esquecerei.

- Férias! Féééérias!!!

Minha irmã chegou alvoroçada, gritando feito uma doida e meu irmão endossou as palavras dela.

- Oba! Férias! Até que enfim vamos para o Brasil!

“Férias, Brasil”... pareciam coisas deliciosas porque tava todo mundo feliz. A mamãe tava mais sorridente, os manos juntavam brinquedos para levar, o papai estava em casa o dia todo e me abraçava, abraçava a mamãe, abraçava meus irmãos e sorria. Tava todo mundo feliz, aí eu fiquei feliz também. Voltei a comer como nunca, aceitava de tudo que me davam, até pirulito e chocolate que minha irmã me dava escondido. Passaram-se quatro dias e eu acordei em uma manhã ensolarada rodeado pelo vovô, pela vovó e pelos meus tios, todos me paparicando. Era maravilhoso!

– Férias! Féérias! Meus irmãos diziam, gritavam, cantarolavam.

Férias, férias! Eu pensava. É muito bom! Quero férias todo dia! Todo dia!

DoraSilva
Enviado por DoraSilva em 21/06/2011
Reeditado em 21/06/2011
Código do texto: T3047890
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