Famílias
O Sol ia alto na tarde de Domingo. O céu azul, límpido, sem alguma nuvem para incomodar sua tranquilidade. A vista era calma e costumeira, a orla da praia com seus corredores, com aqueles que preferem andar, os casais de namorados, os esportistas em redes de vôlei e em suas partidas de futebol na areia. Tudo como sempre foi. Nem sempre mas há um bom tempo era assim.
Olhando de cima tudo é perfeito, pessoas andam, os carros deslizam pelas pistas, bicicletas passeiam calmamente, crianças jogam areia para cima, mergulham nas águas calmas da praia, pais lêem seu jornal, ignoram a corrupção, passam para a parte de esportes, que também
não vai lá essas coisas.
João estava passando maus momentos, pois primeiro estava deitado a areia da praia o que no caso dele é um tormento já que a areia é fina e entra em todos os lugares do corpo. Mesmo os mais obscuros. Além da areia algo dentro da cabeça lhe incomoda profundamente, ele demora um pouco para se acostumar mas ressaca é uma das piores coisas que pode acontecer , antes vem a diarréia e a pior é almoço na casa da Tia Geórgia, que sempre acaba em desavenças familiares, e da última vez que esteve lá o tio-avô jogou a torta de limão em cima da TV por que simplesmente não gostava do Faustão, com isso tia Georgia teve uma luta terrivel com ele. Tinha saido na noite anterior com um amigo e não se lembrava muito bem o que tinha acontecido, devido a o uso de algumas
drogas não conseguia se lembrar como foi a noite passada. Mas tinha sido boa, pois disseram para ele depois que tinha "pego" a melhor mulher da noite.
No mesmo instante em que João acordava na areia da praia, Silva arrumava-se para levar a filha a andar de bicicleta. Era uma bicicleta de segunda mão (na verdade era de quarta mas isso não vem ao caso) que conseguiu comprar com muito sufoco depois de alguns meses de economias. Saindo de casa sua mulher lhe pediu para passar na farmácia ao voltar e comprar o xarope que o Pedrinho tomava pois já havia 2 meses que estava com uma tosse que não passava, mas vinha melhorando.
E Silva saiu contente pois levar uma filha para aprender a andar de bicicleta é uma das melhores coisas para um pai dedicado. Na verdade queria dar muitos presentes , uma boa educação e muito amor
aos filhos mas como a situação anda pelo meio fio hoje em dia ele só tem conseguido dar o amor. Tinha economizado para comprar um relógio de pulso daqueles do camelô mesmo mas como o filho havia adoecido teria que reverter o montante para aplicações em medicamentos, mas nem por um minuto ficava triste com isso , só passou a adiar a vontade do relógio para dali a um mês.
João e Silva haviam estudado no mesmo colégio durante três anos e depois de formados em seu Ensido Médio se separaram pois um foi para a faculdade e o outro teve que começar a trabalhar para manter a família. Os dois não se viam há muito. Depois de um encontro sem querer pegando um ônibus para o Centro da cidade eles nunca mais se viram. Até por que João nunca pegava ônibus, tinha seu próprio carro, mas nesse dia estava emprestado.
_ Vai minha filha , eu tô segurando. É fácil, só confiá no papai - Falava Silva com à sua pequena Raquel. Um pedaço importante de sua felicidade. Apoiando a bicicleta pro trás e empurrando enquanto a pequenina pedalava, achando o máximo estar andando mais rápido do que podia com suas pernas.
Silva sabia que levaria mais alguns dias de treino até que ela conseguisse andar sozinha mas vinha evoluindo rapidamente.
João estava com a mãe e com o pai na praia, tinha chegado em casa quase de mãnha e resolveu curar a ressaca na praia dormindo na areia e pegando um sol, pois não podia perder a cor que tinha
conquistado ao longo dos meses.
_ Meu filho, meu filho ? - Sacudia o braço de João.
_ Que foi pai ? - depois de acordar subtamente.
_ Sua mãe esqueceu o celular dela no carro, pode ir lá pegar para ela ?
_ Lógico que não, estou muito cansado. Nem vou levantar daqui para ir lá pegar coisa nenhuma.
_ Mas meu filho não pode fazer isso por um minuto ?
Depois de pensar nas coisas que os pais o davam achou melhor ir lá para não criar nenhuma zona de atrito, mas no fundo achava que a melhor opção era ficar lá dormindo.
Foi andando pela areia pensando qual seria o melhor meio de conseguir o novo carro que queria há um tempo e como ia fazer para aumentar sua mesada com os pais pois a que recebia não dava mais para
suas necessidades, e o estágio que fazia não era remunerado. Na verdade não gostava muito de trabalhar lá mas isso lhe traria mais experiência para poder ganhar mais dinheiro depois.
Estava andando pelo calçadão pois o carro de seus pais ficou estacionado logo perto e por aquele caminho era mais rápido. Estava completamente desorientado, com uma dor de cabeça infernal não viu que
caminhava em direção a bicicleta vindo em direção oposta o que acabou acarretando um pequeno acidente.
_ Porra ! Não olha por onde anda não sua criança de merda ?
_ Olha aqui cara ... - Silva percebe que o cidadão que gritava era João, velho amigo.
_ Disculpi seu moço. - Disse Raquel.
_ Olhe por onde anda da próxima vez ein. Nossa como é ? Silva né ?
_ João rapá ! Quanto tempo ein !
_ É verdade, desde o terceiro ano né ?
_ Na verdade nos encontramos num ônibus faz alguns meses.
_ É verdade ! Me lembro. - Se esforçando para realmente se lembrar.
_ Depois nunca mais te vi. Que tá fazendo da vida ?
Pensa profundamente e vê que desde de que entrou na faculdade não tem feito nada a não ser sair para boates, beber muito, praia, mulheres, uns casos que andou enrolado devido a uma atração com uma
garota que era namorada de dois amigos dele ao mesmo tempo. Viu que não tinha sido muito boa sua vida nesses últimos anos de faculdade e estágio.
_ Tenho estudado e trabalhado muito , sabe como é para ajudar meus pais em casa.
_ Nossa nem me fale ! Tenho que pegar no batente em dois empregos diferentes para dar conta lá de casa, mas comecei a estudar de novo esse ano, eu ralo para pagar a faculdade que é meio cara. Estou no primeiro Período mas um dia eu termino ! Quero uma vida melhor sabe ? Poder compar uma boa televisão pra ver alguma coisa nas horas vagas, compara quem sabe um carrinho. Você trabalha onde ?
_ Estou advogando em uma empresa de um amigo do meu pai. Sabe como é tinha uma vaga sobrando.
_ Sorte sua ! Fiquei vários meses pra conseguir o meu primeiro emprego o outro eu consegui faz um mês o que foi melhor por que deu uma folgada e pude comprar algumas coisas pra minha casa.
_ Ah ! Você tem casa já ? - Pensando na horrível possibilidade de ter filhos e mulher por agora.
A risada de Silva é audível a uns trezentos metros.
_ Quem dera João ! Meu aluguel é que me mata. Fora isso tenho a melhor família do mundo.
_ Ah sei ! Deve ser muito bom ter uma família.
_ Cara eu achava que não. Mas depois que você tem é a melhor coisa da vida rapá.
João se lembra que sua mãe deve estar vociferando na areia pela demora. Mas gostava de ver sua mãe nervosa, ele achava engraçado.
_ Silva tenho que ir. Minha mãe tá esperando eu pegar uma coisa para ela.
_ Ah sim ! Vai lá não deixe sua mãe esperando, sua família é a única coisa boa que você tem rapá. Depois que perdi meus pais eu fui perceber quanto eles fazem falta.
_ É também acho ! Deixa eu ir lá.
Parte João com a mais terrível enchaqueca que o atacou nos últimos dias. Nada mais podia fazer ele gostar da família que tinha. Obrigando-o a fazer Direito pois achavam a melhor opção, davam tudo
para ele mas cobravam muito mais do que deveriam. Não gostavam dele realmente, estavam preparando ele para assumir os encargos da família. E provavelmente iriam largar em suas mãos todos os trabalhos e encargos dos negócios. Desde criança sonhava em ser esportista, tinha um dom pra isso, mas foi devidamente impedido pelo pai que o "convenceu" de que era muito melhor uma carreira digna do que essa vida de pessoas largadas no mundo. Se pudesse trocaria de família ou seguiria seus sonhos, mas não queria largar todo o dinheiro e conforto da sua cara para enfrentar um mundo desconhecido.
Silva ficou vendo João meio cabaleante indo para o carro, um lindo Mercedez prata que estava parado não muito longe. Pensou que o amigo tinha uma sorte tremenda em ter uma família que o dava suporte e ainda trabalhava para ajudá-la. Viu que tinha como conseguir um dia chegar perto de seu dinheiro , mas sentiu que ele não amava a sua vida como Silva amava. Sentiu pena de João , mas nada podia fazer.
Continuou a empurrar a filha. Ela aprendeu a andar dois dias depois e isso foi o segundo maior prazer da vida de Silva, o primeiro era sem dúvida sua família.