Em todos os lugares

Domingo. Dia dos ratos.

Não desses pobres mamíferos quadrúpedes de longa calda que correm assustados ao menor movimento de algo maior que eles, mas daqueles malditos mamíferos bípedes sem cauda que correm assustados ao menor movimento de qualquer coisa.

Os ratos de igreja se ajoelham implorando pela clemência de um ser que talvez sequer exista, criam cânticos irritantes cujo objetivo é mostrar como eles próprios se sentem uma raça inferiorizada, contrastando com a grandiosidade do ser adorado, que eles nunca viram e não conseguem sequer indicar que realmente exista.

Os ratos de estádios se dividem em dois grupos e se amontoam para ver outros ratos correrem atrás de um objeto esférico. Às vezes um grupo grita, berra, soca o ar, cobre a cabeça com as patas e às vezes o outro grupo o faz. E eles se revezam nessa atitude estúpida durante duas horas. E então voltam para os seus abrigos.

Os ratos de biblioteca, coitados, não podem se reunir em seu habitat natural, pois este só abre "de segunda a sexta em horário comercial". Então eles se trancafiam em seus abrigos fazendo a mesma coisa que fazem quando estão nas bibliotecas. Lêem. Como se daqueles objetos repletos de frases e fabricados em massa todas as respostas pudessem surgir.

Os ratos de bar se reúnem em torno de mesas, consumindo venenos de várias formas, expelindo fumaças cancerígenas ou um líquido que vai os intoxicando, matando-os lentamente, como se pra eles a vida não valesse tão a pena. As risadas de coisas sem sentido e a alteração do sentido das coisas disfarçam a falta de coragem pra uma morte rápida.

E pra onde eu olho, lá estão os ratos, cantando, berrando, fazendo barulho só pra aumentar minha irritação.

"Favelas, coberturas, quase todos os lugares..."