CLIENTE ESPECIAL
(CONTINUAÇÃO DE MEU DIÁRIO)
Durante o jantar, Karol anunciou que no dia seguinte não iria para a escola.
- O que é que está acontecendo com você, meu filho? A luz vermelha do bulling acendeu dentro da cabeça da obstetra.
- Nada, só não quero ir.
- Mas deve haver uma razão para que um rapaz, tão aplicado como você, resolva de uma hora para outra que não vai mais a um determinado lugar. Você não gostaria de conversar com seu pai sobre isso?
- Só se for naquele sofazão do seu consultório.
- Mas para conversarmos hoje à noite, nós podemos improvisar com aquele que tem na biblioteca do meu apartamento. Pode ser?
Karol assentiu com um gesto de cabeça e depois do jantar, o Dr. Olavo, foi com o filho para o consultório improvisado.
Vestiu o jaleco e sentado na cadeira giratória, preencheu o caderno com as perguntas da anamnese, colocando exatamente as respostas do filho. Quando terminaram as perguntas, Karol levantou-se e foi para junto do sofá. O pai disse-lhe:
- Ainda não acabamos. (Karol voltou para perto da mesa) ainda não acertamos como será feito o pagamento.
- Que pagamento?
- Da consulta, é claro. Aqui eu sou o Dr. Olavo, seu psiquiatra. O seu pai estava lá na mesa do jantar e você não quis conversar com ele. (pausa)
- Posso pagar com serviço?
- Pode. Que serviço você vai fazer para o doutor?
- Não é para o doutor. É para o pai.
- Hum! E qual é o serviço?
- A compra do pão de todo dia.
(pausa)
- É justo. Está certo. Duas semanas de serviço está bem para você?
- Eu pensei em uma.
- Mas é muito pouco para se pagar a um psiquiatra. Ele tem que estudar muito, comprar muitos livros, pagar a escola do filho...
- Está bem. Eu pago as duas semanas.
Dizendo isso, Karol deitou no sofá e fechou os olhos. O pai sentou na cadeira giratória, que retirou de trás da mesa e ficaram ambos calados por alguns minutos. Karol perguntou ao pai:
- Não vai ligar o ar condicionado?
- Você acha que precisa.
- Claro! Eu sou um cliente especial e devo ser tratado muito bem.
O doutor levantou-se, ligou o condicionador, sentou e começou:
- Muito bem senhor Karol. Em que posso ajuda-lo?
- Não sei.
(pausa)
- Você não gostaria de falar sobre o seu dia de hoje?
- Mas hoje foi igual aos outros dias, não tem nada para falar.
- Igualzinho mesmo, sem tirar nem por?
- Não sei!
(pausa)
- Será que não aconteceu algo que você não esperava?
- Aconteceu.
(Grande pausa)
- E você quer falar sobre isso?
- Não sei se devo.
- Eu vou dizer uma coisa, senhor Karol. Tudo o que os meus clientes falam é meu segredo profissional. Eu não posso comentar nada com ninguém, se não, posso ser processado por falta de ética.
- E o que é falta de ética?
- É assim como se fosse uma traição. A pessoa promete que vai fazer uma coisa e não faz.
- Hum! Entendi.
- Então, você pode falar o que aconteceu de diferente que, só nós dois, vamos ficar sabendo.
– Nós dois não. Nós três.
- Mas se só estamos nós dois aqui, como é que é nós três?
- O três é Carol.
- E o que é que Carolina tem a ver com isso?
- É que hoje ela me beijou.
(Grande pausa)
- E como foi esse beijo.
- Na bochecha quando eu disse que tinha ciúmes dela com aquele bichinha novato.
- E tem um bichinha novato na escola de vocês?
- É, tem. Mas ele não é bichinha mesmo não. Eu digo que ele é bichinha porque fiquei com ciúmes de Carol. Eu não queria que ela fosse conversar com ele. Nem com ele nem com mais ninguém.
- Mas assim ela não vai mais ter amizades. Se ela deixar de falar com todo mundo... Como é que fica?
- Fica falando só comigo que sou o melhor amigo dela e ela é a minha melhor amiga.
- É só amiga mesmo? Ou tem mais alguma coisa entre vocês?
- É só amiga, é só amiga, é só amiga...
- Deite-se e fique calmo.
(Pausa)
- Beba um pouco dessa água. Olhe, é muito comum e normal que rapazes e moças, como você e Carolina, se amem sem saber distinguir o que é amor e o que é só amizade. Amizade é quando a gente se sente bem quando está com a pessoa, mas não fica muito triste quando ela se afasta. Já no amor, quando a pessoa está longe da gente, parece que o céu vai desabar, tudo fica feio, as coisas ficam sem graça, as pessoas ficam chatas. Aí quando ela volta, fica tudo bonito outra vez. É assim que você se sente quando está perto ou longe de Carolina?
- É, eu acho que é.
- E você já disse isso a ela?
- Não. Não tive coragem. Quando estou perto dela dá um nó na garganta que não me deixa falar.
- Mas você precisa criar coragem e falar para ela o que está sentindo. Se ela lhe amar também vai ficar tudo muito bem.
- E se ela não gostar?
- Aí a gente vai ver o que fazer. Agora você não quer falar sobre o colega novato? Você sabe o nome dele, sabe de onde veio...
- O nome dele é Thomas Wolfgang Strasser Filho e veio do Mato Grosso. O pai dele é pastor luterano daquela igreja que fica na rua por trás do colégio e no meio do ano, felizmente, eles vão embora para a Alemanha.
- Muito interessante essa coincidência. E você sabe onde ele mora?
- Parece que é na casa grande que tem junto da igreja do pai dele.
O cronômetro sobre a mesa deu o sinal de que aquela consulta havia chegado ao final.
(Continua em ALMOÇO EM FAMÍLIA)