O Boi

(20 de maio de 2000)

Me interessei por um boi no pasto pela sua postura de curiosidade e isso me permitiu entrar na sua cabeça ou quase.

Queria entender porque ele era o único a não ruminar - sua cabeça estava levantada com seus grandes e meigos olhos a me encarar.

Só poderia ser sua inquietação que o impedia de pastar, que não se satisfazia somente com capim.

Esse boi é diferente. Quer entender. O quê? Tudo.

Se pudesse lhe contar, contaria tudo que sei.

Esse boi era como uma dessas coisas simples da vida que nos surpreende.

Se depender de mim esse boi não será vendido, nem maltratado.

Tentarei protegê-lo. Uma preciosidade dessa não se perde.

(14 de abril de 2000)

Meu tio me pergunta o que tanto vejo nesse boi. Eu respondi que ele é inteligente. "Então prove!" Fiquei sem graça por não poder responder. Decidi treiná-lo para fazer o mínimo que fosse para justificar a sua proteção.

Começei a ensinar a contar com os galopes, como os cavalos fazem. Ele ficava olhando para a minha cara, como uma criança, mas aprendeu. Depois mostrei aomeu tio e ele adorou. O boi virou xodó.

Ás vezes eu era pego batendo um papo com ele. No começo falava do meu dia enquanto o escovava, mas com o tempo passei a falar de tudo: mulheres, filosofia, vida após a morte...

Lhe ensinei outros truques: a fazer reverência com a cabeça, a trotar e a dar voltas.

Viajei e quando voltei á fazenda o peguei se coçando no tronco da mangueira. Assim que me viu ele se aproximou e me lambeu a mão como se fosse um cachorro.

Acho tão estranho isso: não o entendo, mas nos damos bem, enquanto eu entendo as pessoas e não me dou bem com a maioria delas.

(06 de setembro de 2008)

Esse boi foi meu amigo por oito anos. Chamava-o de Acerola, pois era só o que ele comia, tirando o capim. Ontem ele veio a falecer. Estava velho já e parece ter morrido de uma doença á toa; coisa de gente velha.

Meu tio, pela consideração, enterrou o bicho perto da pedreira. Eu ajudei a enterrá-lo. Todos ficamos tristes. Ele já era da família. Disputava com o cachorro o título de mascote. Vizinhos vinham ver seus truques. Minha tia se admirava com o carinho dele pela gente. Ele vivia solto pela fazenda e deixou muitos herdeiros pelo pasto.

Hoje o mundo perdeu um grande boi.