HOMENS: TODOS IGUAIS!

Passava das duas horas da manhã quando Maria Clara fechou a porta atrás de si. Havia frio lá fora e na alma. O desencanto com a vida, motivado pelo comportamento de Eduardo, aumentava sobremaneira o desconforto daquela madrugada gelada.

A luz mortiça do abajur revelava, entre tons de cinza, os móveis da casa e a cadeira de balanço, onde tia Lalinha gostava de sentar para fazer as peças de tricô e croché para presentear aos parentes que, em sua maioria, nem se lembrava daquela tia com quase cem anos de vida.

- Tia Lalinha, que susto! O que você está fazendo acordada numa hora dessas?

- Tricô. Perdi o sono e me lembrei de fazer um cachecol novo para substituir o seu que já está muito usado.

- E por que não acendeu a lâmpada da sala? Por que trabalhar nessa escuridão?

- As agulhas para fazer cachecol são emendadas com nylon e tricô se faz mais pelo tato que olhando. Só precisa contar os pontos enquanto está montando a malha para definir a largura, depois é só tricotar até ficar do tamanho que se quer.

- Ainda assim, devia ter acendido uma lâmpada mais forte. A vida é muito triste e no escuro então...

- O que foi que aconteceu? Por que você está dizendo isso.

- É Eduardo, tia. Ele tem o dom de me tirar do sério...

- O que foi que ele fez dessa vez?

- Chegou muito depois da hora marcada e com um perfume que não é o dele. Disse que tinha ficado preso no trânsito, por conta de um acidente, mas estava com aspecto de quem tinha acabado de tomar banho.

- Minha filha, eu vou ser sincera com você. Esse rapaz não merece o amor que você tem por ele. Em seu lugar eu já teria encerrado esse relacionamento e arranjado outro, melhor, mais acertado.

- Todo homem é igual! Qualquer um vai proceder da mesma forma que Eduardo.

- Não é bem assim. Eu sei que os homens, assim como as mulheres, são muito diferentes.

- Mas tia. A senhora nem casou. Acho até que nunca namorou. Como é que pode falar assim, fazer essa afirmação com tanta certeza?

- Sente aqui. Vamos conversar.

- Eu vou trocar essa roupa por outra mais quente. Estou me sentindo gelada.

Quando Maria Clara voltou para a sala vestida com pijama de lã, Lalinha tinha colocado duas doses de conhaque e trazido o carrinho de chá com torradas, biscoitos amanteigados e o pote de geleia de acerola, feita em casa.

Enquanto segurava, com as duas mãos em concha, o enorme cálice com o conhaque, Lalinha recostou a cabeça no espaldar de palhinha e, com os olhos semicerrados, disse com a convicção de seus muitos anos de experiências acumuladas:

- Os homens não são iguais. Tenha sempre isso em mente. Você sabe, tanto quanto eu, que já vivi muito, acho até que já passei da conta, que já deveria ter desocupado esse lugar na vida. Você é a única parente que acha que ainda não chegou a hora de eu ir para um asilo e me mantém em sua casa.

- Mas Lalinha, essa casa é sua. Você me doou, mas continua sendo sua e você é minha companheira. O que seria de minha vida só, nessa cidade, sem ter com quem conversar, a quem pedir um conselho?

- É exatamente isso que eu quero que você entenda. Eduardo não serve para companhia. Nem para você nem para ninguém.

- Lalinha como você pode falar sobre uma experiência que você nunca teve. Você nunca namorou...

- Engano seu minha filha. Eu tive muitos namorados e fui noiva duas vezes. Quando seu avô nasceu, eu tinha quinze anos. Nessa época nós morávamos em Santo Antônio das Piabas e meu pai tinha uma loja que vendia de tudo. Pó de arroz, fumo de rolo, panelas, ferramentas, charque, querosene, louça, sapatos, tecidos... Era muito longe de tudo e os fornecedores iam visitar os fregueses montados em burros que também transportavam as mercadorias que eles vendiam. O fornecedor de tecidos era uma firma grande do Rio de Janeiro, chamada Mendonça & Sarmento. As peças de tecidos vinham embrulhadas em papel bem grosso com uma etiqueta verde, com as letras vermelhas e a figura de uma mulher vestida de branco com as botinas pretas.

O caixeiro viajante desse fornecedor chamava-se Alcebíades Moura. Era um rapaz muito bonito, devia ter perto dos trinta anos e eu me apaixonei por ele. Muitas vezes ele ficou hospedado lá em casa e de manhã, logo cedo, ele fazia a barba no alpendre do quintal. Eu gostava muito de ver. Ele passava o sabão no rosto e fazia muita espuma com um pincel de pelos longos. Amolava a navalha, numa tira de sola, presa num dos canos de ferro que seguravam o telhado. Depois, com o espelho numa mão e a navalha na outra, ele tirava toda espuma, branquinha, e ficava com o rosto liso. Eu via tudo isso escondida atrás da janela da cozinha.

Todo mês Alcebíades passava na cidade e papai convidava-o para almoçar lá em casa. Eu era a única solteira, e um dia, Alcebíades pediu minha mão em casamento aos meus pais. Eu tinha acabado de completar dezesseis anos. A princípio minha mãe não concordou porque eu era muito boba, ainda brincava de boneca, embora já soubesse cuidar do seu avô, que para mim era um boneco vivo.

Quando Alcebíades foi embora, meu pai me chamou e disse que em breve eu iria casar com ele. Fiquei muito contente, mas procurei não demonstrar para que ninguém desconfiasse que eu estivesse apaixonada por aquele homem lindo e educado. Minha irmã Cremilda, sua bisavó, riscou um bocado de monograma com as letras A e L para eu bordar nos panos do enxoval, que teria que ficar pronto antes do casamento. Alcebíades falava muito na mãe e um dia chegou com ela para conhecer minha família e oficializar o noivado. Ele era filho único e dona Maria, viúva.

Quando nos casássemos, eu iria morar com eles, no Rio de Janeiro, mas pouco tempo depois da festa do noivado, numa noite de tempestade, a comitiva de Alcebíades foi atingida por um raio que matou os burros e deixou-o muito mal, com queimaduras por todo corpo. Ao ser encontrado pela manhã, foi levado lá para casa e meu pai passou um telegrama para a firma em que ele trabalhava e eles mandaram dona Maria, para que ela viesse para perto do filho. Alcebíades não durou nem uma semana e dona Maria, por insistência dos meus pais, ficou morando conosco.

Foi ela quem me ensinou a fazer croché e tricô. Algum tempo depois, viemos, ela e eu, para a casa do Rio de Janeiro, para que eu pudesse estudar. Durante todo tempo em que moramos juntas, dona Maria insistia para que eu arranjasse namorados. Namorei muitos homens, diferentes entre si, e cheguei a ficar noiva de um deles, mas eu sabia que jamais iria encontrar homem igual a Alcebíades.

Fui envelhecendo e vi nascer, crescer, casar e morrer quase todos os parentes, entre eles seus avós, seus pais e o seu irmão. Por testamento, dona Maria me fez a sua única herdeira da fortuna da família, cujo último representante, tinha sido meu noivo.

- Talvez, tia, minha sorte seja ficar solteira como você.

- Mas eu não casei porque meus namorados fossem como o seu, inconscientemente, eu buscava outro homem igual a Alcebíades, por isso eu lhe afirmo, com todas as letras, que os homens não são todos iguais.