Os benefícios da contação de história da Carochinha

Bárbara caminhava pelas ruas de um imenso jardim florido. Por ali havia muitas azáleas, um belo pé de jasmim manga que depositava um tapete colorido na relva verde em frente a uma cascata, onde estava sentado o terapeuta que a aguardava pacientemente. Foi difícil chegar até ali. Ela tinha muitos receios de desnudar sua alma. Mas sabia que só assim poderia chegar ao seu autoconhecimento, pois sempre levara uma vida isolada, nunca confiou seus segredos a ninguém. Em verdade como ela se apresentara, fazia supor o contrário. Tentava esconder de si mesmo a dor que levava na alma. No fundo queria demonstrar uma mulher forte, talvez demasiado forte para esconder sua fragilidade. Já diante do Filosofo Clinico, sentira seu rosto enrubescer, uma onda de calor invadiu sua face. Sentiu vergonha por estar diante de um jovem. Nem sabia o que dizer, sua vontade era sair correndo e se fechar em seu quarto, como sempre fizera diante de uma situação nova. Com a voz rouca embargada num sofrimento ela disse: __ Ajude-me a estabelecer a harmonia da minha alma e resgatar os valores que nunca tive. A partir desse momento, Bárbara passou a ser partilhante.

No primeiro instante, o terapeuta olhou para Bárbara com um carinho amigável que ela ficou completamente desconcertada, sem ação. E num sorriso no canto da boca ela diz: ___ Não sei!

O Filosofo sorri e diz: __”Sei que nada sei, de tudo quanto sei” esse é um principio délfico! E acrescentou, __quero que compreendas que cada um de nós se constrói a partir de nossas vivências, de nossas próprias histórias.

E solicitou que ela, a partilhante contasse a sua historicidade, a fim de obter os dados necessários para o encaminhamentos do trabalho para ajudá-la.

Bárbara, como partilhante e com muita dificuldade tenta relatar sua história, mas os pensamentos saltam de suas idéias como uma avalanche, ela se perde num emaranhado de fatos ocorridos em sua existência.

Assim ela iniciou a narrativa de sua história de vida:

Dizendo que estava cansada de ser assim, de carregar o peso da depressão, da revolta, da amargura, do medo. Desde que a conhecia por gente era uma pessoa depressiva. Talvez pudesse atribuir isso ao fato dos sofrimentos e dos maus tratos que viveu na sua infância. Lembrava muito bem, foi sempre uma criança muito triste, vivia na solidão de si mesmo no meio de uma enorme família. Passava a maior parte do tempo como muito frio e gostava de ficar exposta ao sol ou a beirada do fogão a lenha.

Perdia-se pelos cantos da casa, vivia de cabeça baixa ou debruçada sobre a mesa da cozinha. Não tinha ânimo para nada. Era totalmente infeliz e isso a tornava chacota dos outros. Ninguém a respeitava, pelo contrário apanhava muito dos primos e isso a levou ao isolamento total.

O pior de tudo, tinha muitas dificuldades em assimilar os conteúdos escolares. Tinha vergonha de tudo, não falava, sua altoestima era baixíssima. Tinha vontade de não existir, carregava uma revolta dentro de si, odiava muito, tinha inveja das outras crianças, que até às vezes pensava em se vingar acabando com a felicidade dos outros. Com tudo isso, foram despertados dentro de si os piores sentimentos, desenvolveu o pensamento negativo, de derrota. Tinha plena consciência de ser uma criança azarada, esquecida por Deus.

O pior ocorreu na pré - adolescência, ela tentou o suicídio, onde agravou mais a sua situação. Até então, nunca ninguém havia se incomodado com seu transtorno. Sempre a tachavam de birrenta, indisciplinada, mal educada.

Com o ato do suicídio ela foi passada ao médico, mas pouco ela sabe desse período. O que ela trás na memória, é que esse médico ficou tão sensibilizado com sua situação de desespero. Foi ai que ela se sentiu um pouco gente.

O médico a primeira pessoa que se interessou por ela, e indicou uma luz no fundo do poço, onde se encontrava. Ele mostrou um novo caminho, tão fácil, tão a mão de qualquer um. Na terceira visita, o médico disse a Bárbara: __ Estou indo ao Congresso, voltarei daqui a quinze dias, fique com esse livro, “Meus altos e baixos” leia e na minha volta conversaremos. Confie em mim! Vou lhe ajudar...

Infelizmente, o doutor nunca mais voltou, pois na viagem sofrera um acidente fatal. Ela leu e releu esse livro inúmeras vezes que chegou a decorar cada palavra nele escrita. Assim com tragédia, restou mais um vazio em seu caminho.

Com o passar dos dias, sua vida voltou ao normal, embora o ato cometido ela fosse a escola normalmente, mas sempre alienada, não gostava de fazer amizades, sempre afastava as pessoas de perto de si. Outra coisa que ela vivia a se questionar, por que não conseguia aprender? Sempre era uma péssima aluna, foi reprovada na escola

Nesse emaranhado de lágrimas ela conclui sobre tudo o que viveu. Dizendo:

__Sabe a revoltada era muito grande, sofreu muito todos esses anos pela violência, pelo abandono, pela inveja que carregava. Hoje ela poderia ser um serial killer, uma dessas figuras que andam cometendo esses horrores por ai, ou até mesmo uma psicopata.

Havia uma coisa que ela gostava muito. Era ouvir histórias da carochinha.

Quase no inicio da sua adolescência, na época de sua maior crise existencial, vivendo todo esse drama numa total solidão. Ela passava as tardes vendo Dona Bastiana engomar e passar uma imensa trocha de roupas finas. Enquanto passava as roupas, dona Bastiana entoava uma canção, nem se importando com o olhar perdido da menina Bárbara. Às vezes Barbara dormia debruçada no peitoril da janela que dava para o quintal onde havia muitos vasos de antúrios vermelhos embaixo de um pé de jabuticabas.

Até que certa tarde dona Bastiana contou uma história sobre a canção que cantava. Os olhinhos de Bárbara brilharam, ela pediu que contasse outra história. Assim, toda tarde dona Bastiana passou a contar história, era um dom que ela tinha. E a história criava vida em sua voz, onde Barbara viajava e se tornava personagem da história. Dona Bastiana era muito engraçada, ria a beça. Com aquela enorme falha de dentes, dizia sempre __ “Quem souber que conte outra”. Era um verdadeiro deleite.

Assim se passaram um bom tempo de suas vidas, com essa prática, e sem saber dona Bastiana semeou um sentimento bom na alma de Bárbara e mudou o curso da sua própria história. Foi um tempo feliz, que ela jamais esqueceu e que acabou libertando a das agruras que vivia.

Bárbara diz que a história corre em suas veias, sempre que tem oportunidade deixa uma história para quem fica. Por menor e insignificante que ela seja, pode mudar a história de uma pessoa. Ela acaba sempre acrescentando algo positivo. Essa é a chave mágica da confiança para abrir uma nova porta.

Ao partilhar sua história, Bárbara afirma ao terapeuta que apesar de tudo o que viveu, ela é uma pessoa extremamente feliz. Muita coisa não deu certo em sua vida, muita coisa não conseguiu obter, mas é realizada com que tem. Hoje sua autoestima é boa, sabe construir pensamentos positivos, consegue abrir outras janelas da alma. Aprendeu a ter paciência com as coisas difíceis. Adora ensinar, adora ajudar o próximo, não inveja nada e nem ninguém, diz que tem um bom coração e se sensibiliza com o sofrimento alheio. Sabe que ainda tem muita dificuldade de se expressar e de articular, mas Sempre está buscando uma saída. Pois acredita que enquanto há vida, sempre haverá oportunidade de assimilar. Assim vai construindo seu aprendizado.

Bárbara está convicta de que hoje o mundo mais do que nunca precisa de história da carochinha. Precisa de encantamento. Precisa da magia das histórias para resgatar o humano que há dentro de cada ser.

Como foi em todos os tempos, as crianças, hoje estão com o coração petrificado. Com o olhar vazio, sem referência e desconhece sua própria natureza. Seu próprio coração. Elas precisam do alimento do sonho, do belo, do mágico. E somente através da contação de história que a criança poderá despertar o fantástico, o maravilhoso, o simbólico para amenizar o panorama de violência da realidade atual. Ouvindo histórias, a criança aprende pela experiência a satisfação que uma história provoca.

Há alguns dias, Barbara começou a trabalhar em uma escola como substituta. Num dia desses Barbara substituiu uma professora de história. O conteúdo era sobre os conflitos entre árabes e israelitas. Uma sala de pré- adolescentes lindos, falantes, meio conflitantes, carentes, onde desconhecem o limite e o respeito e etc....

Sem muito sucesso, O conteúdo falava sobre a destruição do templo de Salomão, e toda a cultura desse povo. Para finalizar a atividade havia uma questão de resposta pessoal. _ “Existe para você e sua família um lugar sagrado e como vocês se comportam nesse lugar?” Justifique sua resposta.

Alguns conseguiram responder coerentemente, outros deixaram em branco ou responderam que não tinham nenhum lugar assim.

Barbara, pacientemente, olhou nos olhos dessa adolescente e disse: __ Como não tem?! Pense melhor, pergunte ao seu coração. Com certeza ele tem uma resposta para você. Ela tocou o ombro da menina e saiu. Quando voltou encontrou uma brilhante resposta. E trocaram um olhar carregado de brilho.

Para finalizar a aula, Brbara mostrou uma linda caixinha, toda enfeitada de borboleta e estrelas coloridas.

O Alvoroço foi geral. __Que linda caixa, professora!

Bárbara respondeu: __ Mais linda é a história que trago dentro dela! É a história mais encantadora que a humanidade já vivenciou.

Abriu a caixinha e tirou de dentro um cordão enfeitado e começou a contar:

__ Um anjo cantou uma canção! E no céu surgiu uma linda e brilhante estrela!

Três homens que eram reis seguiram a estrela até um lugar bem humilde e entre animais encontrou um bebezinho. Esse bebezinho cresceu em tamanho e sabedoria. Quando jovem, juntou-se a doze homens e juntos pregaram a paz e o amor. Mas a maldade, o pecado, a inveja levou este homem a cruz. E do seu lado saiu sangue e água. Passaram-se três sois e nasceu um novo dia! Onde o amor venceu a morte eterna.

Quando Bárbara terminou de contar a história e guardou o cordão na caixa, pode ver um brilho novo em cada olhar. Eles ficaram encantados. O silêncio foi geral, uma calmaria num minuto eterno.

Uma aluna quebrou o silêncio, dizendo ___ Que história mais linda professora! Essa é a história de Jesus, não é!?

Deus o sinal para trocar de sala, Bárbara foi embora feliz.

E a terapia com o filosofo clinico também encerrou por hoje com um pensamento de Bárbara.

“_ Acredito muito no benefício trazido pela história da carochinha. Hoje percebi que ela transformou minha vida, ela move meus dias. Ela faz saltar brilhos em olhos apagados pelo desencanto da vida.!”

.

Angeluar
Enviado por Angeluar em 04/06/2011
Reeditado em 04/06/2011
Código do texto: T3014625
Classificação de conteúdo: seguro