TODOS IGUAIS
Como pôde sair e bater a porta, e não me dar satisfações? Fiquei murmurando estas palavras em meu coração, ao mesmo tempo em que gritava para o mundo ouvir: “ela não pode ir, assim, e me abandonar, ‘porque nós dois somos iguais’, e inseparáveis”. Repeti a frase por mil vezes, como se fosse um mantra, uma tentativa de convencer meu ego de que não acabou o que havia entre mim e ela.
Conheci a Clara quando trabalhava em uma escola. Eu era professor e ela atuava como coordenadora do colegiado. Nos apaixonamos com uma brevidade de tempo que parecia a mais rápida canção que já cantamos um para o outro – o parabéns pra você – no nosso aniversário de um ano de namoro. O tempo passava e resolvemos que nos casar.
Todo o universo torcia para que fôssemos um casal feliz. Até mesmo os invejosos faziam uma corrente positiva, porque eu e ela éramos iguais mesmo. Tínhamos o mesmo temperamento, as mesmas ideologias, altura e peso semelhantes, morávamos perto um do outro, sempre tirávamos notas excelentes em matemática, eu gostava de escrever poesias e ela fazia contos. Poderia fazer uma lista imensa de semelhanças entre nós. Não poderia dar errado. Nos respeitávamos sempre e todos os problemas da escola resolvíamos juntos.
De tudo, o mais admirável em nós era o temperamento. Clara não levava desaforo pra casa e nem aceitava ficar em desvantagem nas situações. Eu era do mesmo jeito. Por isso, optamos em nos amar.
Três meses depois de casados, ela resolve que vai a uma festa que iria acontecer próximo a um bar. Era na vizinhança, mas eu não poderia ir, pois iria trabalhar cedo no outro dia. Ela insistiu que sairia de casa, mesmo sem mim, porque estava a fim de ir à festa e pronto. Foi nossa primeira discussão. Argumentei que lá não ia ter gente boa, e eu não estaria por perto para defendê-la. Ah, como eu amava aquela mulher! Tantos homens tinham inveja dela, de sua beleza e inteligência!
Admito que, mesmo sendo nossa primeira discussão de casal, caprichamos bem na briga. Ela me ditou palavras ofensivas e quase quebrou um jarro em minha cabeça. Desviei e ele pegou na parede. Esconjurei a pobre de tantos nomes, que os vizinhos pararam de varrer só pra ouvir a conversa. Gritávamos muito um com o outro. No fim de tudo, ela saiu sem dizer aonde ia. Talvez à festa. Provavelmente eu estaria, nessa hora, sendo traído sem ter ideia disso. Quem sabe eu também já tenha sido infiel, desejando a professora que trabalhava na mesma escola que eu, só porque ela era mais atraente?
Fiquei inconformado em meus pensamentos, e repetia para mim mesmo e todo o mundo, não deixando em paz os meus vizinhos, que ela cometeu uma injustiça. Vi uma sombra perto da porta. Não era ela. Simplesmente eu imaginava coisas, delírios casuais da falta dela. Eu me arrependi pela primeira vez na vida, de ter brigado com quem eu mais amei, e ali “dei o braço a torcer”, reconhecendo a idiotice das minhas palavras duras e sem pena. Dormi sem saber a hora, e no cochilo da noite, enquanto a festa acontecia lá fora, eu pensava: “Como pôde sair e bater a porta, e não me dar satisfações? Ela não pode ir, assim, e me abandonar, ‘porque nós dois somos iguais’, e inseparáveis”.