PORTAS SE ABREM.....

Era mais ou menos nove horas, o dia estava apenas começando. Estava ainda arrumando alguns papéis sobre a mesa, tentando concentrar-me nos afazeres do dia. Alguns problemas nesta época me incomodavam. Problemas de difícil solução que, por muitas vezes, me tiravam o sono. Noite mal dormida, a insônia estava acabando comigo. A porta da minha sala é aberta por Dona Ineide:- Doutor Carlos, tem uma pessoa que gostaria de falar com o senhor. Quem poderia ser aquela hora da manhâ ?. Não tinha marcado nenhum compromisso com ninguém, pensei. Disse chamar-se Silvia, e falou que é urgente ! Mande-a entrar, por favor! Muito prazer Doutor, estou com um sério problema, gostaria de conversar com o senhor um minuto, se possível. Pois não, respondi. Doutor Carlos, começou a mulher, estou com um sério problema. Moro em um condomínio já há algum tempo. Meu apartamento está uma verdadeira bagunça, tem vazamento por todos os lados e estou cansada de reclamar para o síndico sem obter qualquer solução. Alí não adianta fazer nada, estão todos contra mim, eles me vigiam o dia todo, me perseguem! Ato contínuo abriu a bolsa tirou um cigarro do maço e o acendeu perguntando: O Senhor não se incomoda se eu fumar ? Não! respondi, pode fumar. Pude observar que suas mãos tremiam muito e seus dedos, o indicador e o dedo médio estavam amarelados. Com certeza dos vários cigarros que eram consumidos por dia. Aquilo me chamou a atenção e me fez ficar mais atento em seus gestos enquanto me relatava sua estória. Falava sem parar em perseguições do síndico, do vizinho do apartamento de cima, do de baixo, do de lado, enfim, todos os seus vizinhos, aos seus olhos, a vigiavam e a perseguiam. Ficou claro para mim, naquele momento, que algo de errado havia com aquela mulher. Parecia que estava sofrendo de um mal muito grande, e mesmo não tendo conhecimento técnico na área médica deduzi que estava diante de uma pessoa esquizofrênica. Dona Silvia estava bem vestida. Usava uma roupa que a deixava elegante, porém já surrada pelo tempo. Um colar de pérolas que não pude definir se eram verdadeiras ou não, porém eram de bom gosto, mesmo que fossem falsas. Usava sapatos pretos, de bico fino e de salto alto, que lhe davam ainda mais elegância. Bem penteada, maquiada e de unhas feitas, bonitas até, não fossem as marcas amarelas do tabaco. Sem que eu esperasse, sacou da bolsa preta de couro que trazia consigo, um talão de cheques e disse-me: Quero que o senhor processe todos daquele prédio. Posso pagar, e pago bem, pode falar o preço dos seus serviços, e balançou o talonário em minha frente. Calma Dona Silvia, disse-lhe. Me conte mais sobre os problemas. Doutor, eu não aguento mais, meu apartamento está inundado, tenho que ficar sobre os móveis, do teto parece que cai uma chuva intermitente o dia inteiro, dizendo-me que o problema se arrastava por anos sem que ninguém tomasse qualquer providência. Percebi então que deveria fazer alguma coisa para ajudar aquela mulher. Não processando alguém, mas teria que fazer alguma coisa no sentido de entrar em contato com algum familiar, avisando-os daquela situação. Um tanto quanto assustado com aquilo, situação inusitada para mim, fiquei pensando como agir. Não poderia deixar que ela percebesse minha real intenção, pois ela demonstrava que não confiava em ninguém e que a única pessoa naquela hora que confiaria seria eu. Falei que deveria, antes de qualquer coisa, fornecer-me alguns dados para que eu desse início aos procedimentos para a solução do problema. Ela insistia em efetuar o pagamento e perguntava a todo o instante qual o valor que deveria preencher o cheque. Aquilo me assustava. Estava na cara que aquela mulher estava doente e me preocupava o fato de alguém naquele estado andar sozinha pelas ruas, ostentando um talão de cheques disposta a preenchê-lo para o primeiro que visse pela frente, às custas da solução do “problema” que, claramente, estava somente em sua mente. Comecei a anotar seus dados pessoais e pedi um telefone para contato. Forneceu-me seus dados pessoais e um telefone, que dizia ser de seu apartamento. Diante disso chamei Dona Ineide e pedi para que acompanhasse Silvia até a ante sala e aguardasse para que eu pudesse, então, elaborar a "documentação" para o processo contra o condomínio. Assim que ela se dirigiu para a outra sala, rapidamente peguei o telefone e liguei para o número que havia me dado. Do outro lado uma voz que parecia ser de uma mulher já com certa idade, educadamente me atendeu e perguntei então se conhecia Dona Silvia. A mulher alterou o tom da voz, me perguntou quem eu era e o que tinha acontecido com "sua filha", pois estava procurando-a sem, no entanto, encontrá-la. Contei-lhe então o que estava acontecendo, que ela estava em meu escritório e o que estava me pedindo. Disse-me, então, que a filha estava muito doente, em tratamento médico e que num descuido seu havia saído. Que há alguns meses estava se comportanto daquela maneira. Disse-lhe para que tomasse cuidado, relatando que sua filha estava com vários documentos, inclusive com um talão de cheques, e isso poderia ser perigoso. Como moravam perto dalí, orientou-me a não contrariá-la, o que fiz, e mandá-la para casa que ela obedeceria. Agradeceu-me e após desligar o telefone, para minha surpresa, Silvia abriu a porta e entrou novamente em minha sala, perguntando-me como estava o andamento da documentação. Respondi-lhe que estava já tudo pronto, que deveria voltar para sua casa e aguardar uma ligação minha, que o problema seria resolvido o mais breve possível. Agradeceu-me despedindo-se e fechou a porta atrás de si. Sentei-me em minha cadeira, aliviado, pois quase me flagrou falando com sua mãe. Não havia nem me refeito do susto quando a porta novamente foi entreaberta por Silvia que me olhou fixamente e com um semblante calmo e terno falou: PORTAS SE ABREM, PORTAS SE FECHAM. MAS QUEM SE IMPORTA, SE SÃO SOMENTE PORTAS e, após fechou-a. Fiquei durante alguns minutos perplexo com aquelas palavras, que soaram como poesia. Nunca mais a ví, nem soube mais nada sobre Silvia. Ficou somente aquela frase: Portas se abrem, portas se fecham. Mas quem se importa se são somente portas?