QUANTOS CONTOS VALEM UM CONTO -*

— Tudo bem? Demorou. Estava esperando-o. Tenho uma coisa prá lhe mostrar. Está vendo isto aqui?

— Claro que não!

— A vista já não é a mesma. Não é mesmo? Passou dos quarenta e a primeira multa são os óculos.

— Já vi que o papo de hoje não vai ser bom. Já está me chamando de cegueta. Está incomodado com o quê? Eu não posso ver nada na sua mão.

— É, meu amigo, o seu caso é sério.

— Se você demorar a descrever o que está na sua mâo, vou acabar indo dormir. Estou cansado e já-já vou para a minha cama. Aproveita enquanto estou neste sofá.

— Calma, eu sou ou não sou seu melhor amigo? Encoste-se, estique as pernas, afrouxe a camisa e tire o sapato. Isto, assim mesmo. Dê tambem uma boa respirada. Isso!

— Com certeza! Eu jamais deixaria de folhear suas páginas à procura de um bom bate-papo. Mesmo estando assim tão morto de cansaço que não agüento nem mesmo ficar com os olhos abertos. Mas não se preocupe, não vou dormir agora. Só vou ficar com as pálpebras fechadas.

— Sem problema. Eu sei da sua labuta diária. Mas o caso é que estou triste. Olharam para mim hoje e disseram que eu só sirvo de calço de mesa. Veja só.

— Quem falou essa besteira?

— Um tal com um livrinho magrelo na mão. O coitado só descreve “vidas secas”. E eu não! Estou cheio de estórias alegres falando da vida e coisa e tal.

— É isso que eu gosto em você. Um papo alegre descontraído e as vezes até romântico ou cômico e rola até uns dramazinhos. Nada sério demais prá gente não perder o sono. As aparências enganam. Muita gente vai só pela aparência, sabe como é, compram o ovo pela casca, e você meu amigo, irmão, camarada já andou por todos os lados. Enfrentou sol e chuva, calmaria e tempestade. A vida é uma guerra e deixa marcas no corpo ou na alma. Como diria o poeta, viver é preciso. Mas deixe prá lá. Se querem levar pela aparência, que levem. Quero ver o omelete. Mas e aí? Você está mudando o assunto, o que você tem aí?

— Um livro que estou namorando.

— Qual é?

— Este é dos grandes e pesadão. De magrelo não tem nada. Cheio de mapas estranhos. Deve ter aventuras inesqueciveis, atrás de tesouros inimagináveis. Quem sabe? Um dia eu possa ter uma de suas estórias para contar. Aí sim, quero ver se vou virar calço de mesa capenga. Aguardem-me!

— Você nunca vai virar calço de mesa! Acalme-se e me diga que estoria é esta. Qual é o titulo deste livro? De repente eu o conheço. Sinto-me tão leve e solto que acho que estou no céu.

— Que bom!

— Qual o nome dele? Desenrola.

— Metrologia industrial.

— Há, há, há ! Este livro é de engenharia. Estes mapas são no minimo, gráficos ou fórmulas. Há, há, há!

— Páre de rir, cuidadooo.

E um barulho tomou conta da sala. BUM!

— Eu dormi.

Olhou para mesa de centro e lá estava seu livro: Quantos contos vale um conto? Em cima de seu livro da faculdade.

DiMiTRi 17/04/08 22:02