O PSICOPATA

Velha mãe magrinha e triste, filho esquizóide . A casa tinha aquele reboco caído de coisa que não se cuidava. Era conhecida quando se passava na Rua das Acácias. Ela tinha cor nenhuma, cor de quem já fora pintada, cuidada, mas que há muito estaria deixada para trás.

Era uma senhora que já tivera muitos bens materiais, mas com a morte de seu companheiro, perdera o juízo e a tudo vendera. Ganhara a solidão. Seu filho ajudou-a a se transformar numa pessoa sem eixo, sem planos e com uma velhice triste.

Vivera quarenta anos com o amor de sua vida, sendo a melhor das mulheres para ele, só não era boa para ela, só para ele, claro. Com a morte de seu Zé Paulo , era assim que ele era conhecido e com a doença psíquica dela, o filho não perdera tempo e conseguiu administrar todos os seus bens , com o respaldo do governo, que a considerava completamente incapaz para administrar a pensão do marido e considerava o filho, psicopata, completamente capaz de estar no mundo e administrar os bens da mãe. Ironia governamental.

O filho era um tipo que gostava de exibir o que não tinha, gastava todo o dinheiro da velha mãe como podia e não podia. Pouco saía , não era um homem sociável. Tivera três mulheres e quatro filhos, mas fora tão ruim como homem quanto como pai também. Simplesmente abandonara a todos, em momentos bem distintos. Abandono era tudo o que ele podia e sabia oferecer. Tivera tudo para aprender a viver, mas não se importava com aprendizados.

Aproximara-se das mulheres pensando no que poderia usufruir de cada uma delas, depois que usufruía, simplesmente as abandonava sem elas mesmas saberem quais os motivos. Muitas vezes elas estavam grávidas e quando as via no mundo, simplesmente fingia não reconhecê-las. Elas o odiava somente pela passagem dele em suas vidas. Elas, sem exceção o odiava pelo tempo que perderam ao lado dele e como deixaram-se enganar.

Ele, morria de vergonha da família que tinha, sobretudo de sua mãe. Seu pai morava em outro estado e pouco se importava com ele , a vida toda fora assim. Cresceu com esta lacuna de menino desvalido e nunca mais a preenchera. Pelo contrário, reproduziu todo o comportamento do pai e da pior maneira possível, pois por onde passou como homem deixara um rastro de destruição, de dissabor e vergonha para as mulheres que o conhecera. E como pai simplesmente não existia, seus filhos, ófãos de pai vivo.

Eles não conheceram suas mãos carinhosas e braços protetores, apenas tinham o seu nome, muitas vezes imposto por algum advogado de suas ex- mulheres.

Apenas dois conviviam com ele, vez por outra. Porque a mãe dos dois adorava estar no mundo e o requisitava quando ele menos esperava. Ele deveria ter algum “rabo preso”, deveria ser alvo de alguma chantagem, pois simplesmente não falava nada, nem reclamava. Vez por outra jogava um veneno dando a entender que ela era uma mulherzinha qualquer.

Sozinho, ele se trancava no seu quarto, horas e horas e lá fazia as coisas mais inimagináveis possíveis, via todos os filmes de sexo explícito que um tio emprestava a ele, pois ele era um péssimo amante: as mulheres com quem se relacionava saíam sempre com uma vontade de quero mais.

No quarto dele, ele entrava nas contas de e-malis das outras pessoas, vasculhava a vida dos outros on-line como podia. Ele tinha conhecimento em telecomunicações que dava-lhe a capacidade de bisbilhotar a vida de qualquer um que quisesse, fora durante muito tempo empregado de uma empresa de telecomunicações, pelo menos era isso o que dizia às pessoas para impressionar.

E isso ele fez com as suas mulheres, com medo de ser traído e com os colegas de trabalho, para tê-los em alguns momentos nas mãos. Não era amigo de ninguém. Descobriu que um colega de trabalho era gay e teclava mensagens obscenas com outros homens.

Falava isso para sua última mulher com, uma curiosidade de quem sentia prazer em tudo o que lia. Ela o repreendia e dava-lhe o conselho para avisar ao amigo que não fizesse mais. Mas ele não atendia ao pedido da mulher.

Ele mostrava-se o maior dos intelectuais da história, gostava de arrotar todos os títulos que tinha “comprado” e os que ainda iria ter. O último que souberam era que ele estava fazendo um doutorado numa dessas universidades não reconhecidas da América Latina, que custava uma nota ,mas que não serviria para nada em terras brasileiras. Apenas para exibir entre as pessoas sua pseudo-intelectualidade, seus títulos.

Ele era um homem de muitas farsas, inventara tanta mentira ao seu redor, e tão bem inventadas que conseguia enganar até àquelas pessoas mais experientes que acreditava piamente nele.

Além disso, era um homem boa pinta, o que já fazia com que as pessoas se aproximassem dele, além de uma gentileza de primeira grandeza o que encantava as mulheres.

Mas sua mãe sabia muito bem quem tivera parido. Um homem extremamente egoísta e que só pensava nele. Era egocêntrico e maquiavélico ,literalmente, rezava para que ela morresse , só assim ele ficaria com os bens dela: uma velha casa.

Assim, não teria mais trabalho em ter remorsos por tê-la abandonado por muito tempo, enquanto era casado com a moça supostamente rica. Não via a hora da mãe bater as botas, arrumava mil e uma doença para ela: diabetes, Alzheimer, porém nada que os médicos dessem certeza. Mas a velhinha mal tratada continuava firme e forte. E quando morreu foi de tristeza.

Ele era um tipo viciado em dolantina. Ninguém sabia muito como ele conseguira, afinal não é medicamento que se tem em qualquer lugar . Inventou para algumas pessoas que estava com uma doença terminal e assim fazia uso de sua dolantina, para justificar tal uso. Dizia ter um primo médico, que na verdade, não era primo , nem nada, apenas o traficante de um desses hospitais da cidade.

Só algumas pessoas sabiam, ou melhor, somente a sua última mulher que vivera angustiada sob a marca de um homem doente, esquisito e egoísta.

Apaixonada, só queria ajudá-lo em sua dor física que o tal câncer causara . Morria de pena dele e muitas vezes barganhou uns anos de vida com o divino, para que não o levasse logo.

Estranhamente ele nunca a levou a uma sessão de rádio e quimioterapia. Mas dizia-se um homem infértil. Vivia dizendo a ela que muito queria uma filha, antes de morrer, porque só tivera filhos homens. E aconteceu.

No dia em que sua mulher, assustada e alegre fora dar a notícia da gravidez a ele, pensando em sua alegria. Afinal, deixaria um pedaço dele com ela. Ele simplesmente a ignorou e nunca mais quis nem vê-la.

A mulher sem entender como aquele homem tão gentil que se transformara num ser indescritivelmente cruel em tão pouco tempo, o procurou algumas vezes para entender o que tivera acontecido, mas ele nem a recebia, parecia ter vergonha delas, mulher e ventre.

A mulher tivera uma menina, uma bela criança. Ele nunca as procurou e nada oferecera como ajuda no sustento da criança.

Pelo que constava já estava com conversa bonita por aí com outra vítima. Afinal, as coisas não aconteceram como ele pensara,depois da morte de sua mãe, os tios , herdeiros também da casa em que a mãe dele e ele moravam, puseram-no para correr e hoje ele vive na casa desta mulher que acredita piamente no seu amor, lá pelas periferias da cidade.

Hoje é um chic-periferia, inadmissível aos seus padrões de outrora. Inacreditável até de imaginá-lo assim. Todos que o acompanhavam como o farsante que era, não conseguiram deixar de rir por conta da mais nova moradia dele.

Anos depois, contaram-me que ele tivera realmente adoecido do câncer que ele um dia fingira ter e morrera sozinho num leito de hospital. Nenhuma das ex-mulheres ou seus filhos estiveram presentes ao cortejo fúnebre. Morrera como vivera, eternamente só. Foi enterrado como indigente. Ninguém queria se responsabilizar pelo cadáver daquele que tantas vítimas fizera.

DaniBabe
Enviado por DaniBabe em 30/05/2011
Código do texto: T3003938
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