O atravessador

__Onze reais?

__Onze reais.

__Você está de sacanagem!

__É o preço.A safra foi grande.É a lei da oferta e da procura meu amigo.

Neirobson teve vontade de dizer que eles não eram amigos coisa nenhuma,mas ainda tinha esperança de mudar o rumo daquela negociação.

__Se eu te vender por esse preço não vou ter lucro.

__Acontece.São contingências do mercado.

A frieza daquele cara despertava no fazendeiro seus piores instintos.Todas as vezes que faziam negócio,Neirobson tinha que tomar um antiácido logo depois que o infeliz ia embora.

__Vamos lá homem,decide logo!Não tenho o dia todo.__exigiu a víbora.

Ele estava mentindo,pensou Neirobson.Um atravessador geralmente tem muito tempo livre.Ele não produz nada,não dá emprego fixo a ninguém e paga o mínimo de impostos,quando paga.

__O preço é quarenta__rosnou o produtor.

__Agora você é que está de sacanagem!

__Paguei meu pessoal para limpar e preparar o terreno sem fazer queimada,semeei,coloquei só defensivos recomendados,usei meu trator de mais de cem mil reias,e agora você vem aqui e quer me pagar onze reais a tonelada da cana de açúcar?

__A culpa não é minha__o atravessador fez um gesto com a mão direita inocentando-se__A cotação está desse jeito por culpa exclusiva de vocês fazendeiros.Quem mandou todo mundo plantar cana ao mesmo tempo?Só podia dar em preço lá embaixo.

O argumento fazia sentido.Mas nem sempre o que é lógico é o mais correto a ser feito,e aquele era um desses casos,sabia ele.No entanto,a cana estava lá e precisava ser colhida pois o sítio não tinha lugar para estocá-la.Chutou uma pedra grande com a bota de couro que o protegera tantas vezes das cobras que rastejavam pelo canavial,tomou fôlego e jogou uma última cartada antes da rendição:

__Trinta.

__Onze.

__Vinte e cinco.

__Onze,ou eu compro a produção do Melquíades,seu vizinho aqui do lado que está doidinho para me vender.

Depois de enxugar o suor da testa,um suor de raiva,Neirobson respondeu:

__Fechado.

__Amanhâ eu venho com os caminhões e pego a cana.__disse isto e foi embora sem olhar para trás.

A tarde nem havia começado e o dia já estava arruinado pela visita daquele verme.Sentindo-se impotente,o sitiante resolveu adiantar o almoço.Enquanto comia,resolveu pedir a opinião da esposa.Depois de explicar a situação para sua cara metade,perguntou:

__Você acha isso certo?

__Nós dependemos da venda dessa cana para pagarmos nossas contas?

__Na verdade não.Eu nem vou mais plantar cana.Daqui para a frente vou priorizar a venda de filhotes de Nerole.

__Olha,eu dou um boi para não entrar numa briga,mas dou uma boiada para não sair dela.Eu não vendia para esse verme nem uma saca de feijão podre.

__Mas eu já dei a minha palavra e...

Nesse instante,Neirobson arregalou os olhos e deu um sorriso,depois levantou-se,deu um beijo na testa da esposa e falou:

__Muito obrigado amor.Voce resolveu a questão.

__Resolvi?

__Sim.Agora eu tenho que fazer uma coisa.

Foi até o curral onde ficavam as vacas prenhas e ordenou ao seu encarregado:

__João.Solta essas vacas no canavial!

__Mas senhor__o homem estranhou a ordem__elas ainda não comeram.Se a gente soltar elas lá....

__Por isso mesmo.Faz isso já,encerrou o assunto.

O rebanho foi solto no canavial.No dia seguinte,chegaram os caminhões para levar a cana.Neirobson mal saíra de casa quando encontrou o atravessador.O sujeito,bufando de raiva,disse:

__Neirobson,as vacas comeram quase toda a cana!

__Não é possível!As vacas estavam no cercado delas e...__colocou a mão na testa e fez cara de preocupação__Ih!já sei o que pode ter acontecido.A tranca do curral ás vezes abre quando um dos animais encosta nela com mais força.Me desculpe.Parece que não vou poder te vender minha cana desta vez.Fica para a próxima.

O sujeito ficou vermelho.Ele teria de pagar os bóias frias que contratara para a colheita sem ter colheita.

__Tenta com o Melquíades__aconselhou Neirobson.

__É isso que eu vou fazer.__e saiu pisando grosso.

Neirobson riu por dentro.Não estava nem um pouco interessado se o verme conseguiria ou não comprar a cana do vizinho.Não precisou dar nem um boi nem uma boiada para entrar ou sair da briga.Marcara uma reunião com os outros sitiantes para aquela mesma tarde.Lutaria de uma forma diferente a partir daquele dia.

arqueiro
Enviado por arqueiro em 29/05/2011
Código do texto: T3001374
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