A última piada

Juracy era um homem metódico; todo dia fazia o mesmo ritual. Acordava, penteava por alguns minutos os poucos fios de cabelo que ainda tinha o luxo de ter, depois escovava os dentes e aí sim começaria o café da manhã. Passava a manhã inteira andando pela vizinhança. Gostava de sair cedo para sentir o que gostava de chamar de "frescor do amanhecer". Uma sensação que lhe enchia de vida, caminha pelas ruas e ver elas ao pouco se enchendo de vigor.

Depois voltava para a casa. Preparava o almoço, comia e dormia um pouquinho. Como tem sono leve, logo já estava acordado. Se levantava e saía de novo. Dessa vez para resolver algum assunto em específico: previdência, correios, amigos...

Ao final da tarde, puxava uma cadeira, colocava na calçada e começava a observar o cair da noite e o agito da rua. Geralmente os vizinhos mais amistosos se aproximam, sentam no meio-fio e puxam uma conversa qualquer sobre futebol, mulher ou algum assunto que anda na boca do povo ultimamente.

Quando o pessoal começa a sair pra cuidar da sua vida ou quando os pernilongos passam a ferrar mais, aí então é hora de Seu Juracy levar a cadeira e ele pra dentro de casa. Lá ele ligava a televisão, assistia alguma coisa e logo ia dormir.

Apesar de ser metódico, Juracy não era um sujeito frio ou insosso. Pelo contrário, ele era extremamente amável e bem-humorado. Era incrível sua capacidade de criar piadas nas situações mais inacreditáveis, como naquela vez quando assaltaram a sua casa e levaram tudo menos seus discos do Nelson Gonçalves e ele concluiu em forma de alívio "Graças á Deus que eles não tinham bom gosto!".

Seu Juracy adorava as pessoas, adorava conviver com elas. Adorava a natureza também. No seu bairro, apesar de toda a confusão (os camelôs, as lojinhas, os botecos e companhia), ainda podia se ver um bocado de verde aqui e acolá, nos quintais das casas ou nos terrenos baldios. E ele adorava a natureza, gostava da energia que ela passava. Ás vezes era encontrado admirando uma goiabeira e quando alguém perguntava o que ele estava fazendo, dizia: "To vendo se olho gordo arranca goiaba do pé!"

Esse amor todo pelas pessoas e pela natureza era sua devoção. A maior parte de seu dia era falando com as pessoas, mexendo nos eu jardim. De certa forma, desde que a mulher falecera essa dedicação aos outros foi uma maneira de preencher o vazio que a ida da sua parceira de tantos anos deixou. Nos primeiros meses quando ela partiu, Juracy era um homem que vivia enclausurado. Muitos se preocuparam com sua saúde. Ele vivia trancado no quarto por dias. Quando sua filha conseguiu tirá-lo de lá estava magrinho. Ele ficou morando por um tempo com ela. Ele melhorou e chegou a uma decisão: voltaria a morar na sua casa. E voltou. Desde então faz o que sempre faz. Esse ritual. Tirando algum acontecimento aqui ou algum imprevistozinho ali, os dias de Seu Juracy são praticamente os mesmos. Mas esse não. Nesse dia assim que foi dormir ouviu uma voz no seu ouvido lhe chamar: era ela. Abriu os olhos e a viu na sua frente. Ela dizia algo do tipo "voltei" ou "agora vamos ficar juntos para sempre". Juracy não sabia ao certo o que ela disse, estava tão admirado em vê-la tão radiante, tão real. Passado alguns minutos, depois do susto e antes de dormir o sono eterno, Juracy não resistiu e soltou mais uma de suas pérolas: "Amor, fala a verdade: tu fez uma lipo-aspiração lá no Céu?"