A Serpente no Caminho
(Texto escrito para Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - edição 2011 - CBJE)
Entardecia no sertão, e a família apressada seguia pelo caminho rumo ao sítio. O pai cadenciava os passos, rápidos o suficiente para que pudessem chegar em casa antes do escurecer, sem no entanto cansar em demasia sua família. Seguiam-no em fila indiana sua esposa, de passinhos miúdos e ligeiros, dois filhos grandes, de andar despreocupado, e no fim da fila o caçula, grande demais para ser carregado, mas pequeno demais para acompanhar o passo dos outros. De vez em quando precisava dar uma corridinha para recuperar o terreno perdido.
Perto do leito seco do riacho o mato quase que fechava caminho, deixando apenas uma trilha. Naquele lugar, uma jararaca descansava enrodilhada em uma moita, oculta pela folhagem caída. Os passos cadenciados e firmes do pai a despertaram, e ela apertou a rodilha, preparando-se para o perigo. Entesou o corpo quando a mãe passou, em seu caminhar ligeirinho e leve.
Depois, um dos meninos passou chutando folhas, e quase a acertou. O corpo da serpente tremeu de irritação. Preparou-se para o bote. O outro menino passou ligeiro demais para que ela atacasse. Passaram-se alguns instantes e o pequeno chegou.
Cansado, parou sem perceber bem ao lado da serpente irritada, pôs as mãos nos joelhos e resfolegou. O ruído e o calor da respiração atingiram em cheio os sentidos da cobra.
E então, aconteceu…
Não suportando mais tanta movimentação, a serpente enraivecida lançou-se como um raio em direção aos pés do pequeno, passando por trás de seus calcanhares como uma rajada de vento, embrenhando-se no mato em direção à sua toca, para descansar longe de tantos incômodos. Aqueles pequenos e desprezíveis calcanhares não mereciam sequer uma gota de seu veneno.
O pequeno, alheio ao perigo, respirou profundamente e correu para juntar-se aos demais.
À noite, já acomodados em sua pequena casa, a mãe recomendou:
- Agradeçam a Deus antes de dormirem.
- Agradecer o que, mãe? Não aconteceu nada hoje! – questionou um dos meninos mais velhos.
- Se não aconteceu, é porque Deus protegeu a gente. – argumentou o outro.
O pequeno sorriu, murmurou um “obrigado Deus”, fechou os olhos e dormiu…