O Risco de Caroço.
Quando eu era muito pequeno, era dotado de uma enorme curiosidade, desproporcional ao meu tamanho. Tudo queria saber, e perguntava. E os meus irmão mais velhos, Wandell e Wendell, para algumas coisas tinham uma resposta pronta para me dar e esta não me esclarecia nada, pelo contrário, me deixava mais curioso ainda.
Se eu flagrava algum deles mastigando algo, logo perguntava:
- O que é isso?
- Risco de caroço!
- Eu quero!
- Isso não é coisa pra menino...
Quando colocavam alguma coisa no bolso e eu não sabia o que era:
- O que é isso?
- Risco de caroço!
-Dá um?
- Vai crescer, moleke!
Quer coisa mais desagradável que esta? O desapontamento era total. Minha imaginação trabalhava a toda pra tentar decifrar o enigma.
“Que raio era esse tal risco de caroço? “
Nas piores das hipóteses eu imaginava algo como farinha de puba riscada ou ainda grãozinhos gergelim também riscados. Que era algo de comer, eu já tinha certeza absoluta já que na maioria das vezes eles comiam o risco de caroço e parecia ser pra lá de gostoso e especial, já que crianças não podiam comer.
Na nossa casa mais antiga tinha uma despensa numa portinha do lado esquerdo de quem ia pro quintal. Um quartinho escuro onde eram guardados os mantimentos da família. Eis que ali naquele quartinho tinha pendurada em um prego no teto, uma lata de tinta Ypiranga, daquelas de 3,5 litros que não tinha mais tinta dentro e era usada como o cofre principal de risco de caroço. O Wandell entrava muito ali naquele quarto, se esticava na ponta dos pés, tirava a tampa da Ypiranga e pegava alguma coisa:
- O que é isso?
- Risco de caroço!
- Dá um pouco pra mim?
- Menino não pode comer risco de caroço, não!
E ele, sem dar bola pra mim, saía com a mão cheia, degustando o bendito risco de caroço, e a latinha Ypiranga ficava balançando no prego, como se estivesse zombando da minha incapacidade. E eu na minha pequenez, ficava debaixo da lata, com a parte de trás da cabeça quase encostando no espinhaço, olhando pra cima querendo um pouco daquilo.
E assim a vida corria:
“- Sai pra lá, menino, risco de caroço faz mal!
- Risco de caroço? Negativo, só pra adultos!
- Nem pensar, risco de caroço dá dor de barriga!
- Risco de caroço pra vc? Só quando galinha ciscar pra frente!
- Menino do buchão se comer risco de caroço, morre!”
Meu irmão era um “companheirão”!
Impaciente com tamanha desfeita comecei a fazer planos para conseguir um pouco daquilo, aguardando uma oportunidade pra realizar tal intento.
Certo dia, estando sozinho em casa, resolvi tentar resolver meu problema: Peguei dois tamboretes de couro, coloquei um sobre o outro, escalei-os e... Imaginem se isso ia prestar!
Quando meus dedos tocaram no fundo da bendita Ypiranga, me desequilibrei, rebolei pra cá e pra lá tentando me reequilibrar, mas não teve jeito. Desabei fazendo um barulho medonho, tamborete rolando pra todo lado, umas bacias e panelas que estavam numa prateleira do lado caíram sobre mim, um frasco de desinfetante Mico tombou e ficou derramando sobre minha cabeça. Caído no chão, olhei pra cima e lá estava ela, a lata, balançando pra lá e pra cá, mais uma vez zombando de mim.
Enfezado, frustrado, cheirando a Mico, e com dor comecei a juntar as panelas e as arrumei de volta, antes que minha mãe chegasse e visse aquele desastre.
O risco não consegui, mas saí com um “caroço” bem na testa pra ficar esperto.
O tempo passou e descobri – sozinho - que “risco de caroço” nada mais era que um engodo, uma embromação criada apenas para me enganar. O conteúdo da lata até hoje não me lembro se descobri o que era. Talvez fosse a tal de puba mesmo, vai saber...