Amizade
A menina sentada no banco do parque olha triste pro celular.
Pensa, para de mexer a tela com os dedos, volta a mexer de novo.
A ruga na sua testa mostra uma duvida se formando na mente.
Ela para novamente, a ruga se desfaz, o celular volta a seu casulo na bolsa.
A menina olha ao seu redor. É uma tarde agradavel, o vento leva seu cabelo cacheado, espantando o calor e fazendo-a perceber o movimento das folhas das arvores e da sacola plastica do velho cego, que ali vive, sentado no banco do lado.
Ela pega de novo o celular, não o olha, o faz em um gesto de completa displicencia, continua olhando as pessoas a sua volta. Parecem particularmente felizes naquela tarde.
Ela não sabe por que, mas não se acha a vontade, não se encontra, não se encaixa naquele lugar.
O parque é bonito, é ali que ela vai sempre para ir ao trabalho, ela geralmente se sente bem, mas hoje a tarde é diferente.
O sol parece não ser o mesmo e as pessoas ao seu lado... particularmente felizes... a fazem se sentir ainda pior, menor, fraca e solitária.
O celular na sua mão a lembra do que ia fazer. A duvida surge de novo.
A menina sentada no banco, com cabelos cacheados, que escuta as folhas farfalharem ao vento teve a pior da suas perdas e mora só, em um lugar estranho e... não conhece ninguém.
A dúvida, tão bem representada pela pequena ruga na testa, é sobre quem ela pode recorrer para escuta-la. É só isso que ela quer. Falar e sentir que as pessoas ao seu redor não estão mais felizes hoje. Mas pelo jeito, não consegue achar alguém para tal tarefa.
O velho cego, que parecia particularmente menos cego, se mexe e pela primeira vez ela escuta a sua voz :
“Dizem que os bons amigos podem passar longos períodos de tempo sem falar e sem se ver; e que nunca questionam a sua amizade. Este grupo de amigos comporta-se como se tivessem falado no dia anterior, sem ter em conta o tempo que não se viam ou o longe que vivem uns dos outros. Eles sabem quem são.”
Talvez a ruga, que tão bem representava em sua testa uma dúvida, signifique: “Mas pra qual amigo eu ligo?”
O que lhe faltava, na verdade, era coragem de ligar do celular para alguém de tão longe.