Bem que o anjo disse!
O cidadão andava pela cidade, indo em direção ao armazém do seu velho conhecido, quando avistou no meio da rua um padre. Não era o velho e conhecido padre da paróquia, mas um sujeito diferente - dava para perceber justamente pela silhueta nenhum pouco corcunda, como a do velho padre. Parecia meio perdido o tal padre. O morador da cidadezinha então foi lá bater um dedo de prosa com o homem e saciar sua curiosidade.
-Tarde!
-Tarde!
-O senhor é amigo de padre Felisberto?
-Sim, sim! Na verdade eu vim auxilía-lo - enquanto falava e suava incessantemente, o curioso morador se espantou com a juventude do seu interlocutor.
-Ah... veio ajudar ele, por causa da idade, né?
-Sim, sim! A Diocese ficou preocupada com a saúde dele. Tem medo dele não conseguir dar conta de todos os sacramentos.
-mas o sinhô não vai substituir ele, não?
-Não, não! Eu vim só ajudá-lo - Depois de uma pequena pausa, o jovem padre perguntou onde era mesmo a igreja matriz. O morador se ofereceu para levá-lo até lá, assim tocava mais um pouco a conversa.
-O senhor é muito moço... deve ter se ordenado muito cedo, né?
-Claro! Quando a vocação chama a gente tem que atender o pedido.
-Vocação? O sinhô diz Deus?
-Sim. Foi até estranho - o senhor promete que não conta pra ninguém o que vou te falar? É que esse pessoal pode achar que eu sou místico ou doido, o senhor sabe como é...
-Prometo!
-Foi assim: em uma noite, quando eu tinha então uns 10 anos, eu tive um sonho em que um anjo aparecia e pedia para mim pescar no dia seguinte. Minha família tava passando por uma situação difícil, não tínhamos dinheiro nem para arrumar o almoço. Nunca pesquei, não gostava daquilo, ter que esperar um peixe morder uma minhoca... enfim, não era minha praia. Eu passei o dia seguinte todo desconfiado, mas decidi tentar. Peguei um barquinho fui pro meio do lago e lancei a rede, sem fazer muito questão de jogá-la direito. Deu dois minutos, ela começou a se mexer. Eu puxei ela e tava cheinha de peixes!
-Vixe Maria!
-Pois é! A gente teve o que comer por uma semana sem ter que se preocupar com dinheiro pra comida. Passou um tempo e o mesmo anjo apareceu em outro sonho me pedindo para entrar no seminário que em breve eu iria receber uma recompensa. Eu obedeci, entrei no seminário, me empenhei e consegui me ordenar com 23 anos...
-23 anos!
-23 anos. No dia seguinte ao meu ordenamento, o anjo apareceu de novo e me disse: "Vá para a Paróquia de São João da Mata! Lá você vai encontrar uma recompensa, debaixo do cascalho e do carvão!".
Assim que disse isso em voz grave, o caboclo estremeceu e a conversa teve uma pequena pausa enquanto subiam a ladeira para a igreja matriz. O silêncio foi quebrado pelo vivente dessas paragens:
-Desconjuro...
-Pois é...
-Olha, fiquei todo arrepiado!
-Desde então eu tenho tentado conseguir minha transferência para essa paróquia e semana retrasada consegui. E aqui estou!
-Homem, que coisa! E essa conversa de "debaixo do cascalho e do carvão"? O que ele quis dizer com isso?
-Olha, eu não sei bem ao certo. Também fiquei intrigado com isso. Eu procurei algumas informações sobre a Igreja Matriz e descobri que ela foi erguida em cima de um depósito de carvão. E como aqui na região tem muito cascalho... Deve ser isso: a Igreja Matriz é a minha recompensa. Digo, não ela, mas os fiéis que eu orientarei aqui. Talvez a minha realização seja conquistar mais pessoas nessa pequena paróquia. Quem pode saber? Os planos de Deus para nós são sempre imprevisíveis e misteriosos.
-É verdade, é verdade... Mas que história, em! Não ouço uma história dessa desde meus tempos de menino, sabia? Que coisa... Olha, seu padre -esqueci de perguntar teu nome...
-Evandro Goés.
-Gilberto Chulapa, seu criado! Foi um prazer te conhecer padre, nos vemos na missa desse sábado?
-Se Deus permitir!
-Tá certo, padre, boas tardes!
-Boa tarde.
Assim que o caboclo desceu a ladeira da igreja matriz, o jovem padre acelerou o passo, entrando na igreja. Atravessou o seu altar, olhando para todos os lados, como se estivesse preocupado em alguém vê-lo. Chegou até os fundos da igreja que dava uma espécie de pátio antes de chegar á casa do capelão. Lá parou e tirou da sua enorme mala uma pá. Olhou novamente para os lados, para se assegurar, e começou a cavar. Cavava com intenso entusiasmo. Primeiro, achou cascalho. Ficou mais feliz ainda. Depois começoua aparecer carvão no solo á medida em que cavava. E a medida em que cavava ficava cada vez mais ansioso. Finalmente a pá encontrou algo sólido, muito sólido. A partir daí, o padre começou a cavar com as mãos. Cavucando, cavucando, achou o contorno de uma espécie de jarro. Mas o jarro era enorme. Depois de alguns minutos finalmente desenterrou completamente a moringa. Ela estava pesadíssima. Quebrou-a no meio com a pá e dela saiu muitas e muitas moedas de ouro. Evandro, se esse era realmente seu nome, começou a sorrir e disse eufórico:
-Bem que o anjo disse que a moringa tava aqui!!