Funcionária do Mês
- Devemos ser o quê?
- DISCRETAS!
- Quem tem sempre razão?
- O HÓSPEDE!
- Muito bem, meninas.
Dulce, demitida no corte de funcionários sofrido pela empresa onde trabalhava, acompanha o discurso da governanta com desconfiança. Nunca havia trabalhado em hotéis, muito menos como camareira. Mas sua prima a havia convencido:
- Limpar privada???
- Pára de reclamar, Dulce! Dinheiro é dinheiro!
- Até parece...
- Além do mais, você tá enforcada em conta atrasada!
- Eu sei...mas...
- Nada de “mas”. Amanhã você começa o treinamento. Até já avisei a supervisora.
E lá estava Dulce enfiada em um uniforme impróprio para seu manequim. Ouvia a governanta discursar enquanto esforçava-se para acomodar os seios dentro da blusa.
- Er... licença..Dona...hum...governanta?
- Pois não?
- Esse uniforme está apertado! Não consigo nem respirar!
- Qual seu nome, querida?
- Dulce.
- Talvez você queira que eu solicite a presença de um estilista. Ou melhor, talvez um tecido italiano contemple melhor suas curvas.
- Não...eu só disse...
- Escute aqui, moçinha! Todas as camareiras usam o mesmo uniforme e não temos tamanho maior do que o que você está usando!
- Desculpa, é que...
- Portanto, trate de emagrecer se quiser caber, elegantemente, no uniforme.
- Mas...
- Por que aqui nós devemos ser o que, meninas?
- DISCRETAS!
- E quem tem sempre razão?
- O HÓSPEDE!
Dulce já não agüentava a arrogância da governanta, além de achar idiota o coro bajulador das outras camareiras. Quando pensou em mandar todas à merda, foi puxada pela prima.
- Pô, Dulce!
- Que foi?
- Você quer me ver mal com a chefa??? Fui eu quem te indiquei e você me dá uma dessa?
- Mas ela é irritante.
- Pára!!! É o seguinte! Você precisa do trabalho. Enfia isso na cabeça e pára de reclamar!
- Mas...
- Estamos conversadas!
Ao perceber a preocupação da prima, e dos argumentos irremediáveis, Dulce resolveu que deixaria de lado a implicância com a governanta e seria mais dedicada.
E assim aconteceu.
O treinamento estendeu-se por uma semana. Cama envelope, operações de lavanderia e passadoria, higienização do banheiro, organização das roupas dos hóspedes e aulas sobre como se portar de maneira discreta. Cada etapa das obrigações da camareira foi explicada minuciosamente. E, no final de cada dia:
- Nós devemos ser...
- DISCRETAS!
- Quem tem sempre...
- O HÓSPEDE!
- Muito bem, Dulce!
Dulce havia se destacado durante a semana. A transformação da garota reclamona e insolente em profissional competente foi percebida pela governanta:
- Esta é sua lista de quartos, Dulce.
- Mas...eu...
- Isso mesmo! Você foi selecionada. Parabéns!
- Eu...eu... Obrigada!
- Você mereceu. Agora, ao trabalho.
- Sim, senhora!
Roupa de cama, toalhas limpas, produtos químicos para desinfetar, purificar, esfregar, produtos para reposição nos banheiros, panos secos e úmidos, sacos de lixo, aspirador de pó. Carrinho completo. Agarrada à chave mestra Dulce sobe ao sétimo andar, quarto 712.
- TOC! TOC! TOC! Camareira!
- “A frente fria proveniente do sul do país...”
- TOC! TOC! TOC! Camareira!
A televisão aos berros evitava que as batidas na porta fossem ouvidas. Pró-ativa e dedicada, Dulce decide entrar no quarto com a chave mestra.
- Licença! Camareira!
- Quem...quem...é você?
Um homem caminha em sua direção com as mãos trêmulas, ensopadas de um líquido vermelho. A camisa branca que o veste possui respingos de cor idêntica. Dulce percebe ainda que, estendido no tapete, está o corpo de uma mulher. Desesperado, o rapaz tenta limpar as mãos na camisa, enquanto repete:
- Foi sem querer... foi sem querer...
Dulce lembra do exaustivo treinamento semanal, da dificuldade em conseguir outro emprego, da média que fez com a governanta e do coro empolgante da equipe. Olha, cautelosamente, para ambos os lados, segura as mãos do homem apavorado e sussurra em seu ouvido:
- Não se preocupe. Vinho não mancha.