Catando Umbus

Já se foram 50 anos e parece ter sido ontem. Meu Deus, a vida está chegando ao fim. Estava tudo verdinho. A caatinga verdinha. A montanha verdinha. O inverno tinha sido bom. Via-se algumas plantações: milho, feijão, jerimum, etc. Os barreiros estavam cheios e convidativos a um mergulho. E os umbuzeiros? Todo carregadinho. As frutas-de-palma coloriam a paisagem. Gostosas e indigestas como elas só. Hoje é artigo de luxo em alguns supermercados. E lá estava eu e mais dois companheiros, na “manga” de seu Emidio. Assim chamávamos as propriedades rurais ainda não exploradas, ou pouco exploradas. Ficava perto de minha casa. No meu tempo, menino gostava disso: andar pelo mato, caçar passarinho, catar umbus e porque não, frutas-de-palma. O bizaco estava cheio e retornávamos, quando de repente “xispa” na nossa frente, montado a cavalo, o filho do dono da propriedade, tido como elemento perigoso e violento, com mais dois capangas. A tremedeira foi geral. As noticias de que surrava os meninos que invadiam a manga, com urtiga, um arbusto espinhento que quando bate na pele arde e queima, já tinham chegado aos nossos ouvidos. Severiano Brito, assim se chamava, logo me reconheceu, afinal tínhamos sido colegas de escola no curso primário. Mais ainda, colega de carteira. As carteiras eram para dois alunos, um ao lado do outro. Não havia como não estabelecer uma relação de amizade, ou ao menos de coleguismo. Sabia que eu sabia de um episódio ocorrido no grupo escolar envolvendo sua pessoa, mas isso é assunto para outra história. Naquele tempo não havia muitas opções de escolas, hoje tidas como particulares. Daí essa coincidência de um menino rico em escola pública. Diga-se de passagem de boa qualidade, na época.

- Oi Paulo, que faz aqui?

- oi Brito, estou catando uns umbus.

- e esses aí, quem são?

- meus amigos. Não se preocupe, já estamos de saída e não estamos levando mais nada. Se quiser podemos deixar os umbus.

- não, pode levar. Agora somente volte aqui com a minha autorização. Tu já sabe o que acontece...

- Valeu. Brigado.

Saímos em disparada. Os meus amigos ainda aturdidos, sem cor e sem respiração. Talvez até tivessem em suas calças algum estranho elemento.

- êita Paulo, essa foi por pouco.

- Se foi...