LABAREDA`S BAR

Maria da Luz olhava para o enorme relógio na parede, imponente, senhor do seu tempo e de seus prazeres, enquanto ao fundo, o burburinho dos seus alunos ia ficando cada vez mais distante.

Manhã de verão, ela se aproxima da janela e no calor do sol teimoso e persistente que atravessara as árvores, por segundos ela permite-se fechar os olhos... Por segundos apenas... Eternos... Para uma professora de pequenos infantes que eram especialistas em toda arte surrealista de traquinagens.

O relógio toca alto juntamente com o sol que lhe queima o braço, esquecido na janela no segundo de seus prazeres. Agora atravessa os corredores com seus pequenos nas mãos, percorre um labirinto de escadas e becos, arfando, cabelos se desenrolando teimosamente do coque, talvez pelo vento que sopra ou grampo vagabundo, talvez apenas pela ansiedade de ganhar a rua, de volta à realidade, os entrega ao cinzento inspetor, cúmplice, que lhe dá mais minutos de vida... Com o rosto devidamente melado pelos beijos e pelo calor de novembro, não há tempo a perder, e Maria da Luz, se lança à rua.

Agora seu vestido branco parece bailar, naquela brisa constante ou só pela alegria por ganhar a Amaral Peixoto eternamente ruidosa. Livros na sacola de pano, cuidadosamente ajeitados e devidamente inidentificáveis, mais uma vez, olha para o seu senhor, apressada, ajeitando os teimosos fios de cabelo que parecem comemorar sua partida-chegada.

Rapidamente Maria ganha as esquinas e traça um bailado por entre pessoas, bicicletas, árvores e homens engravatados... Apenas anda e sorri. Já tomada a sua decisão, não há mais o que pensar. O cheiro da rua se mistura, formando o doce cheiro que Maria tanto ama. Flores para velório, a comida da pensão, o óleo de motor, as gargalhadas no boteco, as bolas de bilhar tilintando nas mesas... Uma espécie de jazz urbano que já lhe era bem familiar e apreciado.

Chegada ao local marcado. Sérgio Luiz já lhe espera, também de livros na mão, espragueja alguns palavrões enquanto ajeita cuidadosamente seus ralos encaracolados cabelos na vitrine de uma loja barata. Caminham mais alguns metros discorrendo sobre as frivolidades do ardoroso ofício de ensinar, tudo devidamente analisado sob a ótica dos pequeno-burgueses da terra amada.

Combinado o prazer do dia, proposto e arquitetado por Maria da Luz, logo o cheiro do peixe chega, misturado ao cheiro dos vendedores e dos ovos coloridos que enfeitam as vitrines. Sentam-se ao balcão, pedem uma cerveja e escrutinam a carne-seca que jaz no aquecedor ao lado. Dividem seu minúsculo espaço com homens de toda sorte, ao sol do meio dia. Logo já se tornam quase invisíveis naquele “submundo” imundo de vida...

Cúmplices do mesmo prazer sorriem e Maria da Luz, trêmula, inicia conversa com o dono do bar. Jovem bonito e dissonante naquele espaço que ocupa. Sérgio Luiz treme ao ouvir as primeiras palavras trocadas entre os dois, o coração bate, no mesmo compasso e fervor de Maria. Faz questão de deixar perceber que não se incomoda com as palavras trocadas entre os dois enquanto Maria permite que o jovem homem possa perceber por qual terreno está pisando.

Intervalo feito para encher mais um copo de cachaça e dar o troco, Maria e Sergio Luiz se olham mais uma vez e baixinho ele lhe pergunta se é isso mesmo que ela quer... Ela acena que sim.

O senhor dos prazeres toca. Maria acorda para encher mais murais de flores coloridas e pequenos pedaços de papel sujos e rabiscados pelos pequenos. Sérgio Luiz também. Recordam do dia anterior, mas, incomunicáveis, mudos permanecem.

Tremendo, ao raiar de mais um dia, o jovem homem, ainda sente o doce sabor do encontro,faz alguns telefonemas, dá bom dia ao porteiro e quase não consegue chegar à rua tamanho desejo e excitação que lhe invade.

O homem folheia vorazmente “O Fluminense”, entorpecido e atônito grita desesperadamente:

_ Filhos da puta!!!

Verificado todos os jornais, em sua inconformação e cólera, percebe que Maria da Luz e Sergio Luiz de fato, não eram jornalistas do “Fluminense” e que tão pouco, o “Labareda`s” havia recebido sua reportagem no jornal e ele, dado sua entrevista, que fora realizada por Maria da Luz e anotada cuidadosamente por Sergio Luiz conforme o prometido.

Agora ele devia, dolorosa e ridiculamente,explicações a todos os avisados do ocorrido, enquanto Maria e Sergio Luiz já no jugo do senhor do tempo, não trazem resquícios do dia anterior estampados no corpo. Apenas na alma. Na satisfação de seus prazeres mais uma vez, consumados...

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