O DIA QUE EU MORRI
Que enfado, pensei.
Lá estava ele, o garoto mais feio do bairro e também meu fiel e insistente muito chato admirador.
Que respondia pelo nome de Antero Saluciano, e o alcunha de bexiga.
Se ele me encontrasse cem vezes ao dia.
Essa seria a quantidade de vezes que me pedia em namoro
E óbvio que ouviria duzentos não. Ditos com convicção e pouca paciência.
Já temia sair para os lugares mais simples,
As insistentes declarações de amor feita por meu azucrinante, feio, desajeitado e insistente admirador estava tornando-se um incomodo.
Já tinha ameaçado da uma pancada na cabeça dele, talvez assim o fizesse desistir de minha pessoa.
Ele interpretou minha advertência como uma profunda declaração de amor, e me abarrotado e impregnado meu uniforme escolar com perfume de dúzias de rosa, disse-me que aguardava ansioso por o dia que seria surrado.
Usando o prosaico dito popular “que pancada de amor não dói”
Aquele assédio durou até o dia que me mudei para outra cidade.
Enquanto o trem que me levaria dali para uma região distante, partia.
Eu o via correndo pelos trilhos me acenado um adeus.
Jamais retornei para a cidade onde nasci
Os anos passaram-se e meu fiel admirador Antero Saluciano
Caiu no esquecimento até o dia em que resolvi rememorar minha trajetória de vida.
Naquele dia.
Aparentemente, eu me sentia feliz e realizada, mas, só aparentemente.
Ao aquietar-me, percebi algo incomodante.
Uma angústia insistia em causar-me um imaginário ataque cardíaco
Palpitações estremecimentos.
Deixar-me abater, jamais, pensando assim continuei.
Diverti-me em uma reunião de amigos,
Que quase sempre essa aglomeração era regada por vinhos e muita comida.
Mais uma hora ou outra... Levava a mão ao peito na ânsia de aquietar meu coração.
Era véspera de um dia extremamente importante,
Há dias convivia com essa expectativa.
Os dias que antecederam ao final dessa expectativa
Acredite-me morri todos os dias
A minha angústia era tanta que conseguia visualizar a minha cremeção
Também ensaiei fazer uma lista das pessoas que iriam para meu velório
Então chegou o temido dia
Na noite anterior não consegui pregar os olhos
Os tic e tac do relógio eram meus maiores inimigos
Pois, me dava conta que a hora tão temida aproximava-se
Fiz-me de forte, pois não tinha para onde correr se tivesse me acredite faria só me restava enfrentar.
Aquele corredor comprido frio e pouco luminoso era o caminho que me levava para o primeiro dia do resto da minha vida
Não demorou a chegar minha vez de ser atendida
O jovem senhor franzino e de pouca beleza chamou-me
Minha vida passou diante dos meus olhos como um facho de luz.
Surpreendentemente naquele temido momento
Não demonstrei medo.
Caminhei em passos firmes
Decididos e cheio de coragem
Antes de adentrar pensei seja qual for o resultado vou enfrentar com bravura.
Parei diante daquele homem, que me olhou profundamente,
Foi então que li seu nome escrito, em um alvo crachá, preso na lapela do jaleco branco.
Dr. Antero Saluciano.
Por um capricho do destino, estava ali, após anos, meu fiel e insistente muito chato admirador.
Após décadas, não fui reconhecida por ele.
Ao sair do consultório, já certa e a par do laudo dos exames realizados por mim.
Olhei ao redor, estiquei a cabeça para fora da janela do comprido corredor, e contemplei o azul do céu.
O destino me pregou uma peça, fez com que aquele franzino garoto, que um dia eu teria tirado da minha vida sem titubear, reaparecesse para sentenciar os meus dias.
Farei dos poucos dias que me restam, dias venturosos,
E para aqueles que me amam, deixarei a lembranças de uma mulher que viveu feliz.