Controle Remoto
Baseado em fatos...
Acho que família é tudo igual mesmo, só os endereços é que mudam...
Minha família é muito legal, ela é engraçada, meu pai é Gaúcho (desses, macho pra caramba), minha mãe nascida em Campos e os dois se conheceram no Rio de Janeiro em Duque de Caxias. Minha irmã tem quase 40 e ainda mora com eles com seu filho de doze. Meu irmão já vai, se não perdi a conta, pro sexto filho, mas tem sua casa, que fica perto dos meus pais. Eu sou filho do meio, e assim vamos.
Sempre os visito aos finais de semana, religiosamente todos os finais de semana, ainda uso o termo “lá em casa” quando me refiro à casa deles. O conviver deles é um eterno “trancos e barrancos” que nunca muda. Faz eu me sentir uma pessoa normal. É de enlouquecer quem não esteja acostumado. “Vale a Pena Ver de Novo” fica parecendo novela inédita perto da ladainha rotineira deles, mas isso me enche de alegria, enche mesmo, me deixa muito feliz. Aprendi a transformar ou ver a convivência deles como uma série animada de comédia em vários capítulos que passam aos sábados e domingos. As mínimas coisas se tornam coisas supremas se os dois estiverem jutos em casa no mesmo cômodo por mais de... deixa eu calcular... um minuto e meio! Ta certo que meu pai quase não pára em casa, é dessas pessoas hiper ativas, mas o pouco tempo que fica - já que minha mãe nunca sai de casa - é o suficiente pra que a NASA ou o PENTÁGONO mandem suas equipes pra saber o que está acontecendo em Realengo lá no 802.
Se um dos dois resolver estalar os dedos como se faz num passe de mágica, a fim de irritar o outro já era, o condomínio inteiro - que tem 8 blocos, cada bloco 8 andares, cada andar 8 apartamentos - fica sabendo, pois eles tem esse dom nato, o de conseguir - sem fazer força - irritar um ao outro quando querem, e não são nem um pouco silenciosos, meu pai por ser gaúcho e minha mãe pela convivência com ele. É uma coisa diabólica. Já viram tornados de perto? São meus pais quando resolvem divergir em algo mesmo que simples. E o inexplicável, eles já passaram de trinta anos de casados. Isso é Bôda de um troço aí! Bôda!!! Que nome bizarro. Bôda-Bôda-Bôda... Perde o sentido falando várias vezes repetidamente...
Bom, contarei só uma, a do controle remoto. Pois se eu contar outras pode haver um tremor de terra.
Meu pai adora Raul Gil – é uma das poucas coisas que o faz ficar em casa por mais de 2 horas seguidas quando não pelo fato de estar dormindo – minha mãe adora o canal em que a TV estiver, desde que não esteja no canal que meu pai quer. Certo sábado o coroa estava assistindo ao seu programa predileto quando então deu o intervalo comercial. Era a final dos calouros. Ele foi ao banheiro liberar um líquido. Foi quando minha mãe aproveitou para trocar de canal. O fato é que o canal mudado também estava no intervalo comercial de outro programa qualquer que nem minha mãe sabia qual era, ou tinha algum interesse em assistir. Ao retornar do banheiro esperou o programa voltar, mas deu outro intervalo e ele nem percebeu, estava em outro canal passando outra coisa, e ele assistindo amarradão e nem percebeu. Finalmente, após 3 intervalos comerciais, isso mesmo... 3, ele percebeu que não estava mais no canal do Raul Gil, o cérebro processou a demora, mas a essa altura metade dos calouros já havia se apresentado (os melhores). Maquiavélico né! Que implicância gostosa eu pensei, já que ele também apronta das suas com ela e eu nunca sei quem está se vingando de quem.
Bom, mas ainda dava tempo de ver a outra metade do programa de calouros (os piores), e isso amenizava um pouco a questão, se não fosse por uma coisa.
Ele, muito “puto dentro das calças” (termo usado por ele, não tenho certeza se típico dos gaúchos, ou criado por ele, pois nunca perguntei) pegou o controle furiosamente pra colocar de volta nos calouros, esbravejando e perguntando em um tom de voz sopranamente alto:
_quem mexeu nessa p... desse controle remoto?
_quem trocou a maldição do canal?
_foi você Maria?
Maria é minha querida mãe.
A pouco ele assistia às maldades do pica-pau rindo, até lembrar que o que estava vendo mesmo era Raul Gil e muda instantaneamente de alegre pra puto, como pode? Vai se entender.
Minha mãe observava na dela fazendo uma cara de desentendida nada convincente, eu também na minha. Eis que o martírio começa. Ao tentar mudar de canal, não conseguiu, pois as pilhas já estavam muito fracas, (não! não foi minha mãe que trocou as pilhas não... também já seria sacanagem de mais, ela somente trocou o canal, que também é sacanagem, mas não de mais), é que pessoas acham que pilhas são eternas, na verdade que pilhas de controles remotos de TVs são eternas, que possuem uma espécie de tecnologia alien ainda não inventada, que quando o controle remoto pára de funcionar pode ser qualquer coisa: defeito na TV, defeito no controle, menos a pilha que acabou. Tem pessoas que vão mais longe, até sabem que a pilha acabou, mas acreditam que dando batidinhas no controle a pilha receberá uma carga extra mágica e voltará a funcionar por mais 2 ou 3 meses. Então as pessoas dão suas batidinhas. Cada batida no controle remoto sem que ele funcione faz a batidinha aumentar de força e mais força e mais força, até que as batidinhas virem pancadonas, em alguns casos pancadonas raivosas, e essas pancadas se tornam mais raivosas a medida em que o programa predileto vai acabando, o controle remoto recebe uma verdadeira punição, um castigo sem dó.
Imaginem se meu pai seria diferente! É do ser humano essa luta contra controles remotos com pilhas fracas. Então o velho começou sua guerra pessoal com o controle remoto de pilha fraca. Tome bordoada, tome soco – ele já começa por ai, e não com as batidinhas – e finca na borda da mesa, finca no braço do sofá, e tome programa de calouros quase acabando... mas nada! Não funciona! Sua expressão facial já é de fúria, uma fúria que vem junto com a tentativa de atravessar o dedo no controle remoto, no pobre e sem culpa botão do controle remoto, uma fúria que aumenta com cada risada medonha do pica-pau. Aquela! Uma tentativa frustrada que o canal mude, e nada. Uma palidez momentânea junto com um trocinho branco no canto de sua boca surgem (isso sempre acontece quando ele fica muito nervoso) e nada! Ele ainda é do tempo em que TVs não tinham controle remoto, do tempo em que um anúncio que uma loja lançava no seu chamado comercial informava que aquela TV vinha com controle remoto pra que isso melhorasse as vendas daquele produto: TV etc e tal... colorida e COM CONTROLE REMOTO, isso mesmo, essa vem COM CONTROLE REMOTO, não percam! Oportunidade única de adquirir agora mesmo sua TV COM CONTROLE REMOTO. Logo, pra ele, o simples fato de largar o controle remoto e ir até a TV e mudar o canal diretamente na TV é muito complicado, a modernidade, de certa forma, emburrece algumas pessoas e diverte outras.
Bom, se controles remotos agredidos pelas suas pilhas fracas pudessem reagir ou falar, certamente cuspiriam as pilhas pequenas ou palitos nos olhos do agressor falando:
_é a droga da pilha cacete...
_não adianta me espancar!
_troca essa m...
_#@~%@*...
Mesmo assim nada! O controle voa longe. Acerta a parede e se espatifa. O controle remoto se quebra todo, as pilhas saem ilesas.
Até que demorou pra ele voar com o controle em alguma coisa.
Pobre controle remoto.
Pobre coroa.
Resultado... meu sobrinho de 12 anos, inocente tadinho, esse que citei no início, filho da minha irmã de quase 40 que ainda mora com meus pais, e que não conheceu TVs sem controle remoto resolveu o caso mudando de canal diretamente na TV, simples assim.
Meu pai conseguiu ver apenas o finalzinho da apresentação do último calouro com os dentes trincados de raiva, que o deixou com mais raiva do que se tivesse acabado de vez.
Minha irmã dormia no quarto e nunca conheceu essa história.
Meu irmão chegou em casa com seus 5 filhos e sua esposa quase parindo o sexto, o caçula do meu irmão brinca com os caquinhos do controle remoto falecido pelo chão.
Minha mãe foi fazer um café vingada, mas sem antes recolher as pilhas pra colocá-las em um outro controle, do DVD talvez, porque meu pai também adora assistir a filmes do Steven Segal.
Uma dúzia e meia de vizinhos colocam suas cabeças pra fora de suas janelas pra tentarem saber o que está havendo.
E eu... Bom, eu percebi que esta vez minha mãe saiu ganhando, como meu pai outras vezes também já. E assim canto alegremente esperando a próxima vingança, ou o próximo episódio como se fosse um intervalo comercial:
_Ôh lelê... ôh lalá...
_espere um pouuinho...
_vamos faturar!