ANTICRISTO

Noite fria, mas era preciso trabalhar. Afinal a época era ótima. O Natal talvez não tornasse as pessoas melhores, mas fazia com que elas gastassem mais. Por isso as caçambas de lixo tornavam-se minas de ouro para quem sabia procurar. E enquanto estava imerso no lixo como um porco chafurdando na lama ouviu um choro estridente. Surpreso, procurou a origem do som, deduzindo ser alguma boneca jogada fora por alguma menina rica e mal-agradecida. Mas nunca poderia imaginar o que encontraria. Uma criança recém-nascida enrolada em um roto cobertor dentro de uma caixa de sapato suja de sangue.

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O fedor era terrível e sem conseguir se segurar o morador de rua despejou na rua em espumantes golfadas a cachaça que bebera anteriormente. Enquanto se recompunha viu as sirenes de uma viatura aproximando-se em alta velocidade. Com medo de ser encontrado com aquele bebê pôs sua mão imunda sobre a boca da criança que chorava alto. Quando se deu conta a criança havia parado de respirar. Desesperado soprou com seu bafo podre para dentro dos pulmões do nenê devolvendo o choro ao pequeno.

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Pulou da caçamba e com a criança no colo fugiu pelas ruas correndo rápido. Deixou para trás muitas latinhas que poderiam ser recicladas rendendo um bom dinheiro. O suficiente até para umas duas refeições mais uma garrafa de pinga. Quando encontrou um beco seguro, acomodou-se com algumas folhas de jornais sujas e úmidas e cobriu-se . Viu correr uma ratazana de um bueiro próximo onde fervilhavam baratas e riu-se ao ver seu companheiro, Rex, traçar uma cadelinha sarnenta e ficar engatado nela. Cansado pegou o resto da marmita que encontrara no saco de lixo do restaurante que sempre roubava e deu um resto de caldo oleoso de feijão para o menino que se regalou com cada gota.

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De manhã acordou com o som de um carro parando no beco. A criança toda suja chorava alto e sem parar o que atraiu a atenção dos transeuntes e estes com medo do mendigo chamaram a polícia. O novato puxou a arma mesmo antes de dar as ordens para o pobre diabo mostrar as mãos e quando ele o fez puxou o gatilho temendo que o homem fosse machucar o bebê que estava em seu colo. O sangue quente escorreu sobre o menininho o batizando.

Na mesma semana que o mendigo foi morto jovens de classe média-alta atearam fogo a um outro morador de rua que dormia em um banco de praça. O menino achado no lixo foi levado a um orfanato e recebeu o nome de Jesus.

José Rodolfo Klimek Depetris Machado
Enviado por José Rodolfo Klimek Depetris Machado em 16/05/2011
Reeditado em 15/07/2011
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