Na hora da morte
Betão olhou com atenção para aqueles olhos vermelhos e apavorados. Sua mão segurava com firmeza aquele rosto jovem. Por um momento, pensou em desistir, fato que acontecia desde a primeira vez que se sentiu um "instrumento de Deus para livrar o mundo do mal", fato que passou a fazer parte da sua vida, depois do assassinato da sua irmã Tereza, vítima num assalto. Decidiu que procuraria até encontrar o menor que a matou friamente num ponto de ônibus do bairro em que moravam. Encontrou, e aquele foi o primeiro de muitos. "Mais de cem" que vieram depois.
Se voltou para o do momento. Tratava-se de um suposto assaltante de ônibus. Tal de Rodriguinho. Tipo odioso que rouba pobres. A mente do "justiceiro" trabalhava junto com as ações, assim apertou mais o rosto do rapaz. Devia ter uns 20 anos. Foi pego na rua onde morava. Tentou fugir, mas foi alcançado, amarrado e jogado dentro da mala do carro. Agora estava alí, apavorado, pedindo para não morrer. Lentamente, Betão sacou a pistola. Apontou friamente para o rosto magro do "bandido". Como num ritual, cuspiu no chão e em silêncio ignorou os gritos de suplica do futuro defunto. Até que, de repente o rapaz fechou os olhos, relaxou a musculatura da face e falou: "Deus, sei que errei muito na vida. Mas se ainda há perdão em Seu Coração, me receba como filho e perdoe também o homem que vai me matar". As breves palavras, soaram como uma bomba no coração de Betão que perdeu a concentração. Algo diferente tomou conta do ambiente. A cena continuava: Um homem subjugando o outro. Uma arma apontada para a cabeça. Um rosto frio e duro e outro com os olhos fechados aguardando. Pela primeira vez, Betão perdeu a coragem da puxar o gatilho. Tentou de novo, mas não conseguiu. Até que, timidamente, o rapaz abriu os olhos e encontrou uma lágrima teimosa no rosto do algoz que estranhamente abaixou a arma, virou-se e foi embora.
Ver aquela figura enorme, vestida de preto, se afastando, provocou um sentimento diferente em Rodriguinho, que sem nada pensar, continuou alí parado por mais um tempo. Depois, levantou-se, passou as mãos nas roupas. Olhou para o céu e também se foi.