Viagem

Às vezes acredito veemente que peguei o bonde errado quando ele passou por mim na rua que eu cruzava.

Acho que pegá-lo às pressas não me fez ver para onde ele ia ou confundi o destino. Mas talvez aí esteja o segredo. Não saber onde fica o terminal é o “grande lance”, a “grande sacada”, a grade aventura.

As ruas escuras e os becos estranhos que causam medo é o que da intensidade e veracidade necessária para que essa viagem se torne cada vez mais interessante do que as do que foram ao centro da terra ou as dos cosmonautas que viram o azul do nosso globo.

Angustias, solidão, medo são comuns quando o vagão vai esvaziando e cada vez mais me sinto obrigada a decidir quando pedir parada sem ter nenhum passageiro como referência.

Uns passam e elogiam meu cabelo. Outros passam e olham feio para o meu vestido longo certamente pensando: “Que extravagante”. Outros desprezam as sandálias que uso. Outros elogiam a bolsa. Alguns poucos param e analisam fazendo criticas duras a forma de vestir que escolhi para pegar o bonde. Esses ferem, mas são os que me fazem olhar meu reflexo no vidro da janela ao meu lado.

Os que elogiam me arrancam sorrisos e os que me desprezam e falam mau me fazem cair no mais profundo de mim, onde a escuridão pesa e muito em meus ombros. Por causa desses últimos não olho o reflexo, prefiro sentir os olhos marejados. É uma forma de tentar não ficar ainda mais triste devido minha complacência em aceitar o que dizem, esquecendo quem sou. Vendo que é mais importante o que eles acham.

Por que não acredito em elogios, não gosto de ouvir criticas e escuto tudo o que me falam de negativo a meu respeito?

Não sei, mas muitos falariam que poderia ser algum trauma de infância, algo da forma como agiram comigo... Talvez. Mas a infância para mim é mais uma das minhas viagens. Esta foi feita em um tempo tão longínquo , quando os bondes ainda eram novos e uma grande novidade. Cada vez mais minha memória relapsa lembra pouco desse meu trajeto.

Hoje, nessa viajem que faço, os bondes são tão antigos quanto os sentimentos humanos.

Mai s uma rua estreita, mas um beco escuro. Alguém entra e me elogia. Dessa vez meu sorriso não é apenas de fala gratidão. Aceitei-o de verdade. Alguém me critica e, por fim, pergunto o porquê dessa critica. Ele responde. Os argumentos são plausíveis. Ele desce do bonde e acena. Eu retribuo e guardo comigo suas palavras, que dessa vez não foram duras. As criticas nos transformam, não posso ser estática. Outro vem, me olha torto e não gosta da cor da minha bolsa, para ele, não combina com a minha sandália. Não escuto, não baixo minha cabeça, não sinto a umidade nos meus olhos. Olho para o meu reflexo no vidro.

Está chegando perto do terminal.

Patricia Oliveira Dias
Enviado por Patricia Oliveira Dias em 10/05/2011
Reeditado em 16/05/2011
Código do texto: T2962013
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