Preso em uma cadeira de rodas

Em uma pequena vila fechada, num condomínio de luxo em Copacabana, crianças brincavam alegremente no parquinho particular, descendo no escorregador, girando as xícaras gigantes, pulando cordas e outras andando de bicicleta no pátio. Os mais velhos jogavam futebol na quadra de grama sintética; enquanto às mulheres jogavam vôlei na quadra ao lado. Alguns idosos jogavam baralho nas mesinhas de concreto, observando as crianças e o restante do ambiente pacífico.

Já na piscina, mulheres de todas as idades banhavam-se a todo instante, com objetivo de livrar-se um pouco do forte calor que não dava tréguas. Havia cadeiras de praias espalhadas por toda parte, para que todos pudessem se acomodar.

Na portaria, um menino observava tudo, ao lado do porteiro, que estava ao seu lado. Seu nome era Carlos, carioca de Saracuruna, vivia sempre alegre; mesmo na cadeira de rodas, ao lado de Jonas, seu amigo de sempre. Nas horas vagas, Jonas parava para conversar com Carlos:

–Olá Carlinhos! – disse Jonas ao amigo.

–Oi seu Jonas.

–Hoje você está calado, o que houve?

–Nada, estou vendo aquelas crianças brincarem – disse Carlinhos com um enorme sorriso nos lábios, e esmagando um pedaço de tecido.

–Ah! – observou Jonas admirado.

–Eu queria ser como elas – disse Carlos baixando tristemente a cabeça.

–É meu amigo, a vida tem dessas coisas, eu não sei o que te dizer...

–Tudo bem Jonas, a vida já é o suficiente. Deus me concebeu-a, e devo aproveitá-la da melhor maneira – disse Carlinhos com lágrimas de alegria nos olhos.

–É sim meu amigo, devemos sim.

–Está de folga hoje Jonas? – indagou Carlinhos, enquanto enxugava as lágrimas com a toalhinha.

–Sim. Por quê?

–Vamos à praia? Hoje minha mãe precisou ir ao escritório, não pode me levar. O senhor aceita, Sr. Jonas?

–Claro, meu filho. Vamos.

E ambos saíram felizes, principalmente Carlinhos, que adorava ver as ondas do mar! Do outro lado, avistava as pessoas caminharem na orla, e sentia o ar fresco da praia. Parou no calçadão com Jonas, e ficou a olhar as crianças brincarem na areia. Estava com as mãozinhas apoiadas nos joelhos, sorrindo, vendo-as construir castelos de areia. A sua alegria era sempre ver o mar, e não perdia nenhuma das oportunidades que tivera, porque sempre lhe trazia boas recordações; todas atribuídas ao pai, que morrera num acidente de trânsito.

Jonas olhava-o com admiração, pela paciência que o Carlinhos tinha para vegetar o mar! Algumas aves sobrevoavam o céu azul, deixando o jovem Carlinhos admirado. Imaginava-se voando como elas, sentindo a brisa do ar tocando-lhe o corpo; vendo amplamente, tudo que acontecia lá embaixo.

Jonas sentou-se ao lado de Carlinhos, ambos permaneciam calados, pensando nas injustiças do mundo, sem palavrearem um com o outro. Com os olhos cravados no mar, Carlinhos perguntou:

-Qual é o seu maior sonho Jonas?

-Comprar uma casa própria, sair do aluguel e dá uma vida digna aos meus filhos.

Carlinhos continuava a olhar o mar, esperando que Jonas lhe fizesse a mesma pergunta, mas, fez questão de dizer ao amigo o seu maior sonho, antes mesmo que o perguntasse:

-Sabe qual é o meu maior sonho? – perguntou Carlinhos a Jonas.

-Não, qual é o seu maior sonho?

Carlinhos ficou contente, porque esperava a mesma pergunta do amigo; e teve-a. Feliz, Carlinhos respondeu:

-Ver as pessoas felizes, a paz no mundo, o fim das guerras religiosas, o fim da desigualdade, um mundo próspero, ruas bem cuidadas, pessoas educadas, vê as praias limpas, queria apenas um mundo justo para todos.

Jonas olhava-o com espanto, vendo-o com os olhos fixos no mar, sorridente, feliz por estar vivendo mais um dia de vida. Calinhos gostava muito de conversar, isso quando podia, porque vivia sempre trancado no quarto da mãe.

Olhando o tremular das ondas, Carlinhos fala com o amigo:

-Olhe aquele garoto engraxando o sapato daquele homem, está perdendo sua infância! Provavelmente, não teve oportunidade de estudar.

-Nem sempre são os estudos, Carlinhos. É a necessidade filho, obriga muitas pessoas a trabalhar cedo. Com ele não é diferente. Você sabe com quantos anos comecei a trabalhar? Onze, com apenas onze anos, já trabalhava no canavial.

Carlinhos ficou calado a olhar para o imenso mar de Copacabana, e refletiu um pouco sobre o que o amigo Jonas falara com ele, e disse; sem tirar os olhos do oceano:

-A vida tem dessas coisas. As injustiças sempre aparecem. Poucos nascem com muitos; e muitos nascem com muito pouco. Isso é inevitável, sempre haverá desigualdades.

E coçava as pernas frágeis, olhando para o céu que estava completamente azul.

Um helicóptero sobrevoava rasante o mar, para um resgate urgente.

-O Que está acontecendo? – perguntou uma senhora, que estava à beira do calçadão.

-Eu não sei – disse Jonas.

-Há uma menina desaparecida! Ela sumiu no mar já faz uns vinte minutos – disse um camelô.

-Ela está morta – disse Carlinhos.

-Como? – indagou Jonas.

-Eu já disse! Ela está morta – disse mais uma vez Carlinhos; com a voz dolorida e os olhos afogados em lágrimas.

Todos olharam para o mar, e viram a cena trágica: o corpo da menina boiando em pleno mar da zona sul, junto ao cadáver, garrafas pets, plásticos e copos descartáveis; resultado do péssimo hábito dos banhistas.

Depois desse dia, Carlinhos prometeu nunca mais ir à praia, e exilou-se no pátio do condomínio, voltando a sua velha rotina: vendo as crianças brincarem no pátio...

FIM :)

Sanderson Vaz Dutra
Enviado por Sanderson Vaz Dutra em 07/05/2011
Código do texto: T2955731
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