Os ladrões do Centro da Cidade

Faz dez anos, eu trabalhava em um prédio do Centro da Cidade, perto do Largo da Carioca. Era um escritório de contabilidade, e eu fazia serviços de auxiliar, como digitar, arquivar, entregar documentos e fazer alguns pagamentos. Enfim, um serviço simples e honesto. Eu tinha três outros colegas, além de meu chefe. Um dos clientes do escritório era famoso por prejudicar os funcionários da empresa dele. Nunca pagava todos as obrigações em dia, era prepotente e desonesto, mas tinha muito dinheiro, o que fazia com que muitos o bajulassem. Senhor CLóvis, assim ele se chamava.

Havia em nosso escritório uma janela que dava vista para a rua. Meus colegas tinham o hábito de ficar observando o movimento dos pivetes, que de vez em quando eram agarrados por transeuntes quando aqueles tentavam praticar algum assalto. O escritório nestas ocasiões ficava bem parecido com uma torcida de futebol. Era uma gritaria só:"Pega!", "Esfola!", "Mata!".

Eu não gostava de participar desta torcida, e por isto não era muito bem visto pelos colegas. Não que eu defenda bandido, e sei o quanto é irritante ser assaltado na rua, concordo; mas no fundo sabia que aqueles infelizes estavam tentando sobreviver, embora de uma forma errada. Eu sabia que deveria haver uma punição, mas esta coisa de mandar matar, definitivamente não era comigo.

Um dia, eu estava digitando um documento. Quando começou uma destas gritarias na rua, e meus colegas foram ver o que era. Claro, era mais um daqueles episódios. Um garoto havia puxado o colar de uma senhora e saíra correndo, quando foi pego por uma senhor bem forte. Os populares começaram a dar uma surra no rapaz. Eu continuei digitando, pois como já disse, não gosto de participar deste tipo de clima. Foi quando Armanda, uma de minhas colegas de trabalho virou- se para mim e perguntou:"E você,protetor de pivete, não vai defendê-lo?" Então eu disse:"Não, não vou, mas vou pedir-lhe uma coisa, quando o senhor Clóvis entrar aqui no escritório, eu gostaria que você o chamasse de ladrão da mesma forma como você está chamando este garoto de rua, OK?" Armanda me olhou como cara de ódio, fechou a janela e foi se sentar em sua cadeira. Não falou mais nada. Ela era sempre a mais inflamada nestas situações. Murilo, um outro colega meu, virou-se para mim e disse:"Pô, cara...mas você não pode comparar o senhor Clóvis com este ladrão, são coisas diferentes." Mas eu disse:"Não, claro que não posso, porque ele rouba muito mais do que este garoto aí na rua." Todos voltaram a fazer silêncio.

O tempo se passou, Armanda foi trabalhar em uma grande empresa, e anos mais tarde ela foi presa por dar um grande desfalque nesta empresa.

Marcelo Inácio
Enviado por Marcelo Inácio em 07/05/2011
Código do texto: T2955709
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