Impressões de Quem Esteve Por Aqui (Parte 2)
Tirar os sapatos ao entrar em casa foi um hábito que nunca desprezei. Mas cheguei da igreja tão emocionado um dia desses que até este instante (que você aí pode olhar para o seu braço) não me lembro se os tirei. Corri para o meu canto na minha pequena casa e sentei no meu lugar e enfiei música erudita em meus ouvidos até que me enlevasse o meu espírito para um estado que não me parecesse comum e que, tão logo, fosse capaz de me convencer disso.
Há pouco tempo ouvira um canto agradável saindo da boca do pastor, muitos que lá presentes estavam não acompanharam a canção. Embora não me fosse claro o motivo eu queria simplesmente não me esquecer daquela melodia bonita. Ouvir aquelas exclamações de “ – aleluias!” me faziam pensar em outra impressão que tive da vida. Já não era tão menino assim, pois tomava banho sozinho e pensava em coisas maldosas, mas a inocência das crianças ainda não haviam me deixado de todo. E o barulhinho da água corrente batendo na margem do rio (não que ventasse muito ou se anunciasse tempestade) me vinha aos ouvidos numa mistura estonteante com os tinidos de Bach me levando ao além de não sei o quê. Ali próximo havia um pé de azeitonas, frondoso, já velho, de caule cavernoso cheio de insetos, que sempre fazia sombra ao meio dia para o meu pai. Lá ele se deitava e ouvia um programa esportivo nas ondas de rádio chiantes. Minhas impressões sobre isto me parecem confusas, não sei se por força da música ou força de si só.
Aquele homem de bigode deitado sob a sombra daquele pé de azeitonas nada tinha de especial para as pessoas. Só era um caipira (gostava de futebol mesmo sem ver os jogos pela televisão, não entendo!, encerra-se.) e nada apresentava às pessoas para causar nelas admiração. Mesmo pequeno eu sabia que havia nele algo de excelência sobre os outros homens. O fato de ser ele um senhorzinho modesto nas palavras e ações me fazia pensar. Eu alcançava um elevado necessário de posição e penetrava num universo desconhecido (nem por isso agradável): o mundo dos homens.
E Bach, alvoroçado em suas notas, inspirado em regalo, não me fez esquecer que os versos cantados pelo pastor na igrejinha me apresentava o início de tudo. Me levava a uma particular e tão perfeita (tão perfeita) impressão da vida que era aquilo, por certo, a minha verdadeira necessidade. O homem com o radinho ao ouvido entretido no futebol era especial só ali em casa. Ele era nosso. Não interessava (e, tampouco, se interessava) aos outros. Ele era especial porque era meu pai. Sua importância era tamanha que o fez escolhido pelo Senhor da canção do pastor para fazer a nossa casa completa.
Afinal, digo-te sem prudência e humildade, que não fosse esse senhor de bigodes eu não teria impressões sobre coisa alguma.