Alemão
Sentada no sofá, fixou os olhos na parede branca a sua frente e respirou o ar estagnado que preenchia a sala de silêncio. Não queria a paz, mas tinha preguiça do caos. Não desejava pensar, mas tinha na mente já alguns anos de vida.
Desde criança não havia desistido de nada, levava tudo às últimas conseqüências.
Clipe na tomada até o choque.
Provocações até o castigo.
Quando cresceu se acostumou à máxima: Não desisto de nada, são as coisas que desistem de mim. De fato. E como desafio sempre fez mais do que podia - sobrepunha horários, pessoas, intenções, roupas... - e gostava da aparente desordem, da adrenalina forçada e do triunfo sobre toda situação inventada.
Mas, nesse sofá vermelho cercado de paredes brancas estava sentada a contradição do Nunca.
Ela.
Desistiu de aprender Alemão. Deutsch. Faltava a aula sentada naquele maldito sofá e admitia que não tinha forças de declinar mais nada. Não sentia mais vontade de negar o sotaque francês quando via um “ü”.
Não, nunca na vida havia sentido tamanho sofrimento.
Desistir.
Considerou continuar outra época, ano que vem quem sabe. Enganar a si. Seria um hiato, não uma desistência ela repetia mentalmente imóvel entre as almofadas sabendo que não era verdade.
O muro de Berlim caiu exatamente no dia de seu aniversário, e ela caída no sofá no meio da sala aceitava que isso não era motivo para aprender alemão. Teria sotaque francês. Detestava Werther. Não compraria um Volkswagen. Gostava mais de croissant com chocolate que strüdel de maçã.