Duplicidade
Maria casara-se muito cedo, aos quinze anos, com um homem vinte anos mais velho, por imposição dos pais. Conrado, seu esposo, sempre fora muito bom pra ela, e apesar das diferenças de idade, procurou compreendê-la o melhor possível. Eles tiveram um casal de filhos, ambos já casados, cada qual com sua família e problemas próprios. Maria foi mãe aos dezesseis anos, do primeiro filho e aos dezessete da segunda. O casal não teve mais filhos devido a um AVC que o marido teve após o nascimento da menina, que o deixou completamente impotente.
E assim Maria levou a vida, somente cuidando dos filhos e do marido, sexualmente reprimida, durante mais de vinte anos. Porém, no casamento de Daniella, sua filha mais nova, ela conheceu Geraldo, irmão mais velho do seu genro. Apesar de ser mais novo que ela, Geraldo se encantou, assim, a primeira vista, com aquela mulher tão linda, que nem de longe aparentava ser mãe de um rapaz de vinte e dois anos e de uma moça de vinte e um. O casamento percorreu na normalidade de sempre. Igreja, padrinhos, fotos, não fosse pelo ocorrido na recepção. Maria foi apresentada a Geraldo, que não parou de olhá-la, nem sequer por um minuto.
Que coisa, pensou Maria, sou uma mulher casada, honesta e fiel ao meu esposo! Por que esses pensamentos agora? Justo agora, tão habituada que estou em cuidar dele e da casa, a reprimir meus instintos de mulher? Mas o olhar de Geraldo parecia persegui-la por toda parte, até mesmo nos momentos em que ela não o via, parecia-lhe que ele a estava olhando, tamanho era o fogo que havia naquele olhar. E foi bem na hora em que ela saía do banheiro, que a trombada foi inevitável, ou até mesmo proposital!
Maria sentiu um calor nunca experimentado antes por ela, talvez pela pouquíssima experiência em se tratando de homem. Mas o que ela percebeu, foi que o que estava adormecido ali há anos, acordou qual um vulcão em erupção. Ela, ao mesmo tempo em que pensava no marido, em não magoá-lo, pensava em satisfazer seus desejos ali mesmo, com toda a voracidade que seus instintos ordenavam. Palavras não eram necessárias, os hormônios em ebulição falavam por si próprios. E assim fizeram, entregaram-se ao mais profundo prazer, jamais experimentados por ambos. Uma mistura de medo com a carência que ela sentia e a excitação reprimida pela longa falta de sexo.
Quanta loucura! Maria não podia acreditar no que acabara de fazer. Ali, no banheiro feminino, em plena festa de casamento de sua filha! O que estariam pensando de sua ausência? O que diria pros convidados? Com que cara olharia pro marido? As respostas ela não sabia, porém ajeitou-se o melhor que pôde e voltou para a festa. Apesar do turbilhão que a assolou, ela sentia uma leveza tão grande, uma satisfação tamanha, como nunca dantes experimentada! E assim aquela festa transcorreu, na medida do possível, como todas as outras, pelo menos aos olhos dos outros participantes.
Maria e Geraldo voltaram a encontrar-se algumas vezes, dando vazão ao mais louco sentimento que os uniam. Porém, Geraldo teve que voltar aos EUA, o trabalho o chamava e as responsabilidades também. Maria sentiu-se profundamente vazia com a partida do amante, mas aos poucos foi tentando retomar à rotina tão bruscamente quebrada por aquela paixão. Porém, algo havia se transformado completamente dentro de Maria. Um vulcão outrora adormecido havia sido despertado na sua mais intensa fúria, e ela não mais o podia conter.
E assim sucederam-se os dias. Maria esperava Conrado adormecer, vestia um sobretudo preto com capuz, carregava na maquiagem e saía a procura de acalmar o seu “Inferno de Dante” particular. Saía assim, feito uma dama da noite, esguia, sorrateira. Tomava um táxi e dirigia-se a uma casa de mulheres refinadas, que somente atendiam homens ricos e finos. Ali ela realizava todos os seus desejos, realizava desde a mais simples à mais extraordinária fantasia.
Antes do amanhecer retornava ao lar, despia-se dos trajes noturnos e vestia os trajes de dona de casa, os vestidinhos floridos e o avental. O dinheiro recebido durante a noite serviria para a refeição dos meninos carentes do bairro, que ela doava anonimamente. E quando o marido acordava sempre tinha um delicioso café com bolo à mesa, como manda toda boa e tradicional família!
PS: Conto desenvolvido a partir de um minimalista de minha autoria, com o mesmo tema e publicado sob o mesmo título.