Créu!
Créu, Créu, Créu...
Alguns revolvem a terra pra levantar a poeira como se fossem pardais, quando querem se coçar. Chão não é pra se coçar como é costume pensar. – Assim será para os bichos- para o homem, algo mais.
Na casa sede da fazenda tínhamos um louro.
Era um louro autêntico. Não um periquito.
Nem podia ser confundido com um desses louros pequenos que se alimentam de sementes de girassol e que, país afora, são chamados de maritacas, maracanãs e aqui, em língua tupi Araguari.
Haviam-no trazido da mineração de esmeraldas ainda filhotão, o louro grande, nascido ao norte, na Amazônia. Foi criado conosco, compartilhando do nosso dia-a-dia, dos nossos aboios e das nossas reuniões. Foi assim que aprendeu a falar muita coisa.
Chamava-se Ari. Na verdade, era o nome que a administração lhe havia imposto. Mas ele o aceitara? Não o sabemos. Por exemplo, quando estava com fome e queria suscitar a nossa compaixão, repetia num tom de voz de cortar o coração:
- “Coitado do Ari! Tomar café! Ari quer comida!” E agarrava, com o pé, o pedaço de pão de queijo que lhe dávamos.
Com o outro agarrava-se ao poleiro e comia o pão com trejeitos humanos, com modos de família.
Quando nos via chamar os cachorros, gritava: “Fora, fora”. Participava de nossa euforia quando víamos as partidas de futebol pela TV, gritando: “Brasil!” Além disso, ouvia as ordens que dávamos, e nos mandava recolher bezerros aos currais, trocar o gado dos piquetes, ou simplesmente nos chamava pelo nome.
Na casa sede, nós o considerávamos um membro da família. Como pensávamos que partilhava conosco a quase totalidade de sua vida consciente, pensávamos que todos os seus ideais se identificassem com os nossos. Acreditávamos que era um louro domesticado. Tínhamos tanta confiança nele, que lhe havíamos dado plena liberdade de ação.
É bom que saibam que tínhamos também outros pássaros: três cardeais, dois azulões, curiós, sabiás, canários da terra e outras espécies que fazem seus ninhos dependurados nos galhos de um pequizeiro, jatobás, cedros. Tínhamos, enfim, uma grande variedade de pássaros selvagens. Todos vivendo presos em seus grandes viveiros. Nosso interesse por eles se prendia à maviosidade de seu canto e à beleza de suas cores. Mas sabíamos que não desejavam partilhar de nossa vida. Não estavam integrados.
Ari, nosso louro, não. Subia nas mesmas árvores e andava pelos mesmos galhos que as crianças. Nosso pomar era também o seu e, nos dias de chuva ou frio, compartilhava do calor de nossa cozinha.
Para se saber onde estava, bastava gritar com força:
_ Ari! _ e ele, do lugar onde estivesse, respondia:
- “Oi!”
Valendo-se do bico e das patas descia até onde estávamos, para ganhar seu pedaço de pão de queijo.
Tinha lá seus momentos de agressividade, é certo. Como não? Nutria também suas antipatias, é lógico. Eram coisas que aconteciam a qualquer um de nós.
Mas não. Seguramente não foi este o motivo de sua insólita atitude naquela tarde de lindo pôr do sol araguarino.
Sim, lembro-me bem. Foi a primeira grande cicatriz das muitas que levo daqui. Naquela tarde, quase todos os adultos estavam no campo cuidando do gado ou no cafezal. As governantas tinham ido à cidade, a maioria das crianças tinham ido à escola e, em casa, só haviam ficado a veterinária, a agrônoma e eu na sala de computação. Era por volta das quatro ou cinco da tarde. Cada um cuidava de sua obrigação e tudo parecia em paz.
Vindo do sul, um bando de louros selvagens migrava para as terras do norte, rumo às selvas, ao Paraguai, à Amazônia. Seu vôo nervoso era pontuado por aqueles gritos característicos do papagaio em vôo:
- Créu, créu, créu.... – e o bando passou sobre minha casa.
Que aconteceu com o nosso Ari? Ter-se-á sentido triste, inconformado? Quem sabe oprimido ou alienado? Posso assegurar que, em casa, não faltava nada eu sempre fora um patrão muito exigente quanto a não permitir que se maltratasse qualquer animal, especialmente o louro da família, pelo qual tinha um carinho especialíssimo.
Não. Estou certo que não. Não foi por nenhum desses motivos. Não foi para se libertar de coisa alguma. Foi simplesmente porque sentiu que algo se libertava dentro dele. Impelido por aquele grito ancestral de sua raça em vôo, surgiu dentro dele a necessidade imperiosa de afirmar sua fé nas realidades primordiais que constituem a essência de todos os papagaios. E, agitando suas desajeitadas asas, não adestradas para o vôo, lançou também ele aquele grito que dormia dentro do seu peito:
- Créu, créu, créu... – e se lançou a voar.
Não passou de um simples gesto, de um meio de concretizar sua profunda fé nas selvas, nas cachoeiras, no cerrado e nos cafezais que ele jamais conhecera e que nunca seriam plenamente seus.
De súbito, o bando se perdeu acima do arvoredo, arrastando para o norte sua profissão de fé.
Ari não pôde segui-lo. Pouco adiante perdeu altura e aterrissou. Não estava adestrado para o vôo longo. Em nossa família mineira, triangulina, ninguém tinha aquela espécie de necessidade e ele mesmo jamais tivera precisão de ensaiá-la.
Aquela noite, quando estávamos todos novamente reunidos, notamos a ausência de Ari. Tartamudeando o seu tatibitate mineirês, o campeiro mais novo deu a entender que o louro havia empreendido vôo para o norte. Alguém pareceu lembrar que, de fato, pelo fim da tarde, um bando de louros havia sobrevoado a parte mais alta do cafezal.
Todos lamentamos sinceramente que o nosso papagaio os tivesse seguido e ficamos preocupados, temendo os perigos que Ari deveria estar enfrentando, pois sabíamos ser impossível que ele fosse capaz de seguir o ritmo do bando. Vencido pelo esgotamento, teria caído a meio vôo, talvez sobre as pastagens sem árvores, ao alcance dos gatos selvagens. A veterinária, a caçulinha da equipe – a mais sensível – se pôs a chorar.
Entretanto, creio que exageramos um pouco os perigos. Provavelmente o que nos preocupava não eram tanto as dificuldades que nosso louro encontraria em sua nova situação, mas o fato de havê-lo perdido. O que mais nos magoava era que Ari já não nos pertencia mais.
De fato, Ari havia caído a umas poucas braças entre o cafezal. Dois ou três dias depois, nós o encontramos quando Fidalgo estacou a marcha, levantou as orelhas e corcoveou relinchando. Pobre Ari! Dava pena! Estava morto de fome. Descobrimo-lo porque, ao passar perto dele, pôs-se a gritar aquela série de frases familiares que havia aprendido conosco.
Passada a choradeira e a algaravia das mulheres, todos nos alegramos por havê-lo reencontrado. Julgamos necessário, porém, cortar-lhe as penas das asas, para que não voltasse a repatir a experiência. Até a veterinária – a mais sensível – mostrou-se de acordo com a medida, a diretoria interrompeu reunião habitual e aquiesceu, porque Ari nunca poderia seguir os migrantes. Portanto, era necessário impedir-lhe novas experiências.
Hoje, ao me despedir das luzes, das arvores, do gado e aves de Araguari, ao pensar naquela minha decisão, me pergunto: “Foi um autêntico e sincero carinho por Ari que nos levou a cortar-lhe as asas, para evitar-lhe problemas?”
Talvez tivesse sido melhor dar maiores oportunidades de vôos controlados, para que fosse exercitando aos poucos. Por exemplo, poderíamos levá-lo a certa distância e deixa-lo sozinho, para obriga-lo a voltar para casa por seus próprios meios. Assim, ao mesmo tempo que ensaiava o vôo longo, aprenderia a tomar nossa casa grande como ponto de referência e conseguiria realizar o vôo de retorno.
Mas devo reconhecer que fomos egoístas. Preferimos a solução fácil.
Ari foi humilhado e perdeu as lindas penas coloridas da ponta das asas.
Penso também que dramatizamos demasiadamente o fato. No fundo, o que é que Ari havia feito? Seguramente seu gesto não foi um protesto contra nosso medíocre estilo de vida caipira chik. Ele não tentou ir embora porque estivesse em desacordo, como a dizer-nos que todos os seus gestos anteriores haviam constituído uma simples formalidade, vazia de convicção, como se nunca houvesse participado autenticamente de nossa vida.
Simplesmente havia escutado, de repente, aquele grito que despertava nele uma fidelidade que nunca havia sentido antes entre nós. Era a profissão de fé de sua raça em vôo. E Ari, impelido por aquele grito de sua raça, havia realizado um gesto sem sequer pensar nas conseqüências e, muito menos, que com ele poderia ofender nossa incapacidade de voar. Ah! Sim!
Equivocou-se, é certo. Mas, a qual de nós lá em casa não havia acontecido, alguma vez, algo semelhante? Qual de nós não se havia nunca equivocado, ao escutar um grito novo?
- Teria podido perguntar – alguém dirá. Mas, a quem? Cada um de nós estava completamente absorto em seus afazeres e nem sequer teria podido compreender sua intimidade intransferível de louro.
Tiramos muitas conclusões. A verdade é que tivemos medo do futuro e nos esquecemos de dez mil gestos bons, profundos e com sentido autêntico, lembrando-nos apenas de um gesto fracassado, realizado sem consulta prévia. Tivemos medo do futuro...
Como ficaste ridículo durante certo tempo, Ari, caminhando pelo grande jardim e pelos quintais com teus passinhos curtos, tentando vôos que terminavam sempre em quedas, com tuas asas amputadas. Para alcançar os galhos que eram antes as metas de teus vôos, agora tinhas que te arrastar pelo tronco, usando o bico e as patas, como se fosses um bicho preguiça. Realmente, Ari, nós te infligimos uma grande humilhação.
Mas, acredita em mim. Nossa intenção era boa. Cortando-te as asas, asseguramo-nos de tua permanência definitiva entre nós. Aquela nossa decisão de não te permitir o vôo longo significou que nós nos comprometíamos contigo, com teu futuro, com tua segurança.
Mas não éramos donos do futuro. Nem do teu nem do nosso. O futuro a Deus pertence. É muito perigoso comprometer os outros, definitivamente, mediante nossas decisões arbitrárias e pouco generosas.
Foi então que chegou o revés: “o baço embaçou, o fígado pifou, a moto rodopiou, a alma se fraturou”. Também para nós, Ari, não foi fácil. Acredita-me.
Terrível foi receber a comunicação que o IBAMA o havia levado e esvaziado os viveiros. Não houve santo que desse jeito. Foi assim que te perdemos. Sinto uma profunda vergonha ao ter que confessá-lo. A diretoria, as crianças, as visitas que, nestes vales e colinas, deixavas admiradas, agora nos perguntavam para que te possuíamos. Não fácil acostumar-se ‘as perguntas perplexas, indignadas...
Quero que saibas que lutei como um leão para obter o direito de te rever. Antes não tivesse ido. Acredita-me. O quintal era pequeno. A casa era de alvenaria e os pisos, de cimento. Não tinha sequer uma goiabeira. A lei que te cobiçara te colocou nem simples bananal como a dizer que não tinhas valor, como quem se livra de um estorvo, desde que a lei se cumpra.
A última vez que te vi, estavas encarapitado nas folhas do bananal. Não destes sinais de me reconhecer. Por que?
Seja como for, quero crer que não guardas rancor de nós. Preciso acreditar nisto, para que o melhor de ti não morra dentro de mim.
Agora sou eu que emigro. Estou deixando o campo familiar, a casa tão grande e tão cheia de recordações, os cafezais, o pomar, as árvores por cujos troncos e ramos tu te arrastavas e a cuja sombra Fidalgo e eu te esperávamos.
A Deus! Arvores, Pássaros e Luzes. Tormentas, Mãos, Mistérios, Domadores e Ruminantes. Matagais e Escuridão de noites. Adeus!
La sangre y la leche juntas
Em Azul hicieron um programa especial sobre el patroncito “natanael” (no, Emanuel). Sólo otro emo peronista, um demagogo entre gorilas, Barato el ajo...
El “joven” patroncito fue a comentar sus proyectos sobre el terreno que había comprado y arreglado com el viejo don Laureano, um criollo que vivia em el campo de al lado.
_ Ha visto, don Laureano, mi campito?
- Si, como no lo voy a ver? Lindo lo há dejado, patroncito.
- Bueno, don Laureano, yo le queria preguntar qué opina usted sobre la possibilidad de que este terreno me dé algodón?
- Algodón, patroncito? No, mire, no creo que este campo lê pueda dar algodón. Fíjese, no. Los años que hace que yo vivo aqui y nunca vi que este campo diera algodón.
- Y maíz? Usted cree que me pueda dar maíz?
- Maíz, patroncito? No, mire. No creo que este campito le pueda dar maíz. Pero por lo que yo sé, este campito lo que le puede dar es algo de pasto, um poco de lema, sombra para las muchas vacas, y com suerte, alguna frutita de monte. Pero maíz, no creo que le dé.
- Y soja, don Laureano? Me podrá dar soja este campito?
- Soja, don Emanuel? Mire, no lo quiero engañar. No creo que este campito le pueda dar soja.
La frase de Bill Clinton “It´s the economy stupid” si la hubiera dicho don Laureano com sus ojos.
- Bueno, don Laureano, yo lo agradezco todo lo que usted me ha dicho. Pero, sabe usted una cosa? Lo mismo me gustaría hacer uma prueba. Voy a sembrar algodón en el campito y vamos a ver lo que resulta. A pesar de lo que usted me há dicho que no há visto que en este campo se diera nunca algodón.
- Bueno, patroncito, bueno. Si usted siembra..., si usted siembra es outra cosa.
Caramba! Donde se concluí que o matreiro estilo mineiro, brasileiro, do caipira matuto e irônico, é um padrão latinoamericano.