O Sumiço do dinheiro do Leilão

Após ter o Posto de Correios Coxilha fechado tendo presente a humilhação da polícia com o Oficial de Justiça levando os poucos bens que davam ao posto as condições de funcionamento, agora o azar era bem outro. Passaram-se os anos e o devedor de “sete mil e quinhentos reais” passou a casa dos milhões.

Arnaldo economizou com auxílio da mulher. Nove anos se passaram quando sacou cinco mil reais. Honesto. Procurou o advogado (um dos poucos que manteve a integridade diante de um devedor derrotado), juntos foram até o Banco Serafim. Despendeu “cinco mil reais” com a promessa do gerente de lhe entregar os trastes corroídos pelo tempo com o valor auferido em leilão pelo Fórum. Migalhas que poderiam contribuir em grande para o recomeço em épocas tão ruins. O gerente aceitou o que ele tinha, viu que não arrancaria mais nenhum tostão do infeliz.

Retornou para casa contente. Chegou a chorar diante da mulher e da sogra. Havia finalizado o tormento, não era mais devedor; muito embora temesse a canalhice da “novação”. Palavra assustadora, repleta de malícia. Mesmo desconhecendo o significado a palavra lhe afligia. Se ao menos fosse bem relacionado, conhecesse um desses grandões, logo encontraria respostas. Mas era simples e com gente simples raramente se pode encontrar solução para problemas de alta complexidade.

Saiu do banco feliz. Havia remido a dívida.Agora era necessário esperar a devolução dos trastes e o principal: o dinheiro arrematado em leilão. Leilão de Fórum, coisa séria. Ouviu por alto que havia sido vendido o computador. Escutou de um Oficial de Justiça que anos mais tarde apareceu para lhe extrair novamente os bens que já haviam sido entregues. Ele redarguiu:

- Se não tivesse entregasse estaria preso.

O Oficial de Justiça olhou para ele com desdém, remexeu os papéis da planilha. Murmurou valor e o nome da compradora: Isadora Pereira.

O computador da agência havia sido comprado em leilão judicial. Cinco anos depois soou o telefone e ele ouviu a voz do novo gerente. Deveria se apresentar para desentranhar os bens, todavia o dinheiro da venda em leilão...Houve uma pausa absurda. Havia desaparecido. Então o pesadelo não havia acabado? O que fazer? Aceitar os trastes de volta e esperar indefinidamente? Por Deus, quem teria ficado com o dinheiro? O leiloeiro? O Fórum? Algum advogado? Tantos que se substabeleceram no processo. A cada indagação que fazia parecia infringir algum limite sucumbindo num abismo.

Tinha que perguntar o que quer que fosse em nome da realidade. Perguntar para quem? Poderia ofender, porém estava claro que a divisão do processo ofertava largas vantagens. Ele que era um Zé Ninguém e sobre ele duas partes poderosas e distintas lhe ameaçavam a certeza dos rumos. Sabia que ofenderia com indagações sobre o fato. Estava tonto. Minúsculo dependente de gente que formalmente poder-lhe-ia arrancar as vísceras. Tudo narrado com palavras aladas pelo telefone. Por que não relataram em carta: Senhor Arnaldo Silva, o dinheiro leiloado encontra-se indisponível. Sem vestígio. Ah, sim. Quando foram-lhe arrancar o trabalho das mãos havia milhares de intimações. Redigidas brutalmente para que pagasse, fosse como fosse. Nem o câncer interessava.

Havia por parte dos cobradores equipes inteiras de parasitas roendo ossos humanos. Centenas de escritórios confortáveis. Trabalhando para lhe comer a carne em vida. Desabafou com Adrião na padaria. Adrião riu. Envergonhou-se do desabafo. Limpou os bigodes de farinha e disse: “já viu pobre receber dinheiro de leilão feito por banco, eles sempre encontram uma maneira...” Deixou a frase incompleta. Então isso era normal? Estava enganado o Adrião, aquilo era com ele.

O gerente desconhecia o paradeiro do valor. Isso era lá com o Fórum. Sequer lhe disse qual valor. Apenas alegava que havia acontecido... Como Adrião a frase era incompleta. Alguém comprou o objeto no leilão sem efetuar pagamento. Como teria levado algo sem pagar de um Fórum? Sequer podia ir até lá para perguntar com firmeza: onde está o meu dinheiro? O dinheiro do leilão. Seria contido, esmagado, reprimido. Temia ir preso. Homem de bem assustado. Havia lido sobre um desgraçado mofando inocente na cadeia. Era preciso gastar com advogado, fazer petição, montar processo. Pobre só encontra porta quando está perto do abismo. Concluiu. De onde tiraria dinheiro para lutar contra todos? Tudo se arrastaria e sequer era devedor. Estava aterrado, desolado, sem voz no mundo. A mãe doente, o desemprego, a inquietação das noites de insônia. Estavam conseguindo o que queriam, estava alienado, alienado fiduciariamente.

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Série Texto help

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 29/04/2011
Reeditado em 26/07/2017
Código do texto: T2938084
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