Coração contra a vidraça
As noites dessa semana pareciam iguais, densas e silenciosas.
Da janela do terceiro andar, observava a paisagem urbana cinzenta e monótona.
Embora estranho, olhar as ruas vazias afastava a sensação de estar só.
Meus olhos percorriam a calçada, o cume das árvores, os estabelecimentos trancados... Tudo lá embaixo parecia úmido e necrosado.
Esfreguei a vidraça na tentativa de amenizar a paisagem morta. - Talvez o vidro embaçado esteja ludibriando meus olhos. Imaginei.
Afastei-me da janela e acendi o abajur. Ajeitei as almofadas e minha cabeça lentamente se acomodou entre as fronhas macias e brancas.
- BLOCK! Um barulho assustador vindo da janela.
Cobri minha cabeça como uma criança que se esconde da própria sensação do medo. Minhas mãos suavam e meu coração batia acelerado.
Demorou um pouco até minha mente processar que o barulho não trazia sinal de perigo e levantei-me rumo a vidraça.
Do lado de fora, um pequeno pássaro desfalecido... O impacto do seu peito contra a vidraça parecia o encontro entre suicídio e acaso.
Imaginei suas asas batendo em liberdade e a vidraça infeliz que esmagara seu peito.
Novamente meu coração batia em disparada...
Imaginação reveladora!
- A situação do pássaro não é tão diferente da minha, afinal!
Todas as noites meu coração é esmagado pela mesma janela!
Todas as noites meu coração se contrai pelo medo do inesperado! A única diferença é que ele está do lado de fora e se arrisca ao voar.
Eu, pelo contrário, não me arrisco, nem apoioda em passos cautelosos, a cruzar o hall de entrada do prédio... E vejo, literalmente, a vida passar pela janela...
Um coração contra vidraça, refém de medos infundados e se precavendo do inevitável - como é possível se prevenir da vida? - Refletia.
Meus pensamentos atordoados foram interrompidos pela imagem do pássaro em movimento.
Ele mexia as asas e acordava do seu pesadelo... Voou em direção as árvores e depois sumiu no horizonte.
Instintivamente abri a vidraça e um vento fresco invadiu meu quarto.
O movimento fresco e recém chegado da lucidez fez com que eu desejasse voar despreocupada, assim como aquele pássaro que rasgava o horizonte. Um desejo que não encontrava espaço para se acomodar no meu peito e explodia radiante em meus olhos.
Talvez eu faça como pássaro e me arrisque mais nesta "coisa" complicada que é vida!
Melhor que morrer com coração esmagado pela vidraça... Melhor que morrer "do lado de dentro"...