Pega ladrão

 

Norival era seu nome, o fato ocorreu há mais de vinte anos, éramos vizinhos em Copacabana. Mal nos víamos porque eu saia muito cedo para o trabalho e só voltava após a faculdade, sempre depois das dez horas da noite. Algumas vezes nos cruzávamos no elevador ou no “hall” social do edifício. Em realidade, raríssimas vezes, numa das poucas vezes que o vi, foi num domingo, ou talvez sábado, mas com certeza foi num final de semana. Ele de sunga, camisa preta de neoprene e levando a prancha de surf, ia pra a praia e eu com o carrinho de compras lotado ia fazer a doação mensal de alimentos para o orfanato onde fui criado em Bangu.

Falamos sobre o trivial, a temperatura elevada e me lembro que perguntei se ele surfava há muito tempo. Sorriu e disse-me ser um aprendiz, que sua verdadeira praia era o tatame e que era faixa marrom de judô. Fiquei interessado no assunto porque tinha um filho adolescente e o judô, sempre soube, ajudava a moldar o caráter dos jovens, embora fosse uma arte marcial, sendo um esporte olímpico que tinha como filosofia pregar a paz. Era verdade, todos os jovens que conhecia e que praticavam judô, eram pacíficos, não conhecia as exceções. Peguei com ele o endereço da Academia e o nome do professor e fomos cada um para o seu lado, desejando um ao outro boa sorte.

Os pais de Norival eram bancários, ele trabalhava no Banco do Brasil em uma agência no Centro da cidade e ela numa agência de um banco particular no próprio bairro de Copacabana. Eram os representantes típicos de uma família tradicional de classe média. Trabalhavam todos os dias para pagar as contas e deixar o pouco que sobrava para pagar o imposto de renda. Nos conhecemos quando ele se candidatou a síndico do edifício e fui seu cabo eleitoral, depois sendo conselheiro na sua administração. Além do Norival o casal tinha também uma filha temporona de quatro anos de idade, uma lourinha de cabelos cacheados, a Simone que sempre era vista nos brinquedos do parquinho do edifício acompanhada pela babá que também a levava para a creche a dois quarteirões do nosso prédio.

Em outubro eu fui obrigado a tirar férias para que não ficassem acumuladas e estava em casa. Como minha mulher e filhos estavam em suas ocupações, não viajamos quando o porteiro do edifício me interfonou pedindo para ir à portaria porque Norival estava em apuros. Como seus pais não estavam em casa, lembraram de mim e eu prontamente desci.

Quando lá cheguei, um casal de americanos que não falava o português, estava no centro de um grupo de pessoas, juntamente com o Norival e um outro rapaz de muito boa aparência estendido no chão, aparentemente desmaiado. Havia tamanho falatório, todos falando ao mesmo tempo que custei a entender o que se passava. Nesse ínterim chegou a polícia e o rapaz que estava desmaiado começou a dar mostras de recuperação. Só então é que soube que os americanos saiam do hotel para passear no calçadão da praia quando tiveram seus pertences surrupiados pelo ladrão, que além de levar a bolsa da mulher levou também uma filmadora e a carteira do turista.

O ato, visto por transeuntes foi espalhado por gritos de pega ladrão e este correu pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana e dobrou em disparada pela Rua Barão de Ipanema com algumas pessoas no seu encalço, procurando alcançá-lo, inclusive os próprios turistas. Quando chegavam quase na esquina da Rua Barata Ribeiro, o meliante tropeçou na perna do Norival que a estendeu propositadamente. Daí em diante cada um dava sua versão, mas havia um denominador comum, Norival tentou imobilizá-lo, mas o ladrão, muito maior e mais forte, o atacou. Num instante, contou o outro vizinho, o rapaz deu um golpe de judô, soube-se depois ser um hane-goshi e lá ficou um corpo estendido no chão.

A polícia levou todos os envolvidos para a delegacia e eu também segui para lá porque um dos policiais insistia em dizer que Norival havia incorrido em abuso, usando da técnica que ele conhecia para atacar o ladrão.

Depois de muito bate-boca o delegado mandou lavrar o flagrante de prisão para o ladrão, devolveu os pertences para os turistas e dispensou as nossas presenças.

Disso tudo fica a lição, ladrões, cuidado com os judocas!