Coletivo

O ônibus estava cheio de pessoas a se tocarem sem, entretanto, se aproximarem.

O contato de seus braços, suas pernas, cabelos e pastas, parecia afastá-las cada vez mais.

Feições sombrias, pensativas, divagavam pelo coletivo inteiro.

Olhares que ao se cruzarem fugiam arredios ou envergonhados, para cantos imprevisíveis. Pareciam odiar-se até.

O silêncio a fazê-las ansiar pelo barulho a procurar as janelas. O barulho lá fora as irrita mais ainda. Algumas pessoas desconcertadas pelo silêncio seguravam o ferro de apoio com força (procurando, quem sabe, um pouco de segurança).

O ônibus seguia seu caminho sombrio. Seguia para mais longe ainda. Passava pelas cozinhas sujas, banheiros infectos, camas empoeiradas e desfeitas desde a manhã. Ia por volantes da loteria, por jogos de futebol aos de bicho. Seguia por supermercados para comprar as comidas indispensáveis ao lar, e as totalmente dispensáveis, que lhes foram impostas por cartazes com propostas irrecusáveis - a satisfação de um desejo, ao menos.

- O que está acontecendo?

De vez em quando o ônibus pára, para deixar entrar mais sonhos, mais frustrações e cansaços.

E lá ia ele para cada vez mais longe, com as pessoas unidas pelos corpos, cada vez mais próximos, a não se saber mais a quem pertencia esse ou aquele pedaço de corpo já tão pouco humano. A não se saber de quem era esse ou aquele sonho (as pessoas perdendo seus próprios sonhos) esquecendo as suas economias, seus problemas, suas dores, em algum dos quatro cantos - labirintos.

Alguém liga o rádio, alguém não paga passagem, alguém bebe e mata alguém, alguém é atropelado, alguém é campeão de alguma taça, e em outros países, alguém sofre, morre e mata todos os dias, aqui não... Que bom!

Marise Cardoso Lomba
Enviado por Marise Cardoso Lomba em 30/06/2005
Reeditado em 30/06/2005
Código do texto: T29324