Os Velhos Amigos

Entramos num pequeno salão, onde se sobressaía uma comigo-ninguém-pode num canto e uma mesa de madeira muito velha cercada por quatro cadeiras igualmente idosas.

"Esse é o salão do Sr. Malvini", dizia o guia, "naquela estante está uma pequena parte da sua biblioteca e ali podemos ver um raro brinquedo do século XX conhecido como 'tótó' ou 'pebolim'". Não tinha reparada nesse brinquedo. Parecia um pequeno estágio de futebol, mas prestes a desmoronar devido ás condições de seu entorno; os cupins realmente não respeitam o esporte.

"Aqui nessa pequena mesa o Sr. Malvini e seus amigos se reúniam todo domingo durante dez anos para conversar e jogarem. Geralmente jogavam truco ou vinte-e-um, onde apostavam dinheiro na maioria das vezes. Seus amigos chegavam ás 16h e ficavam conversando e rindo até ás 3h certas vezes". Eu olhava aquela mesa. Até que estava bem preservada.

Esse Malvini era um homem muito rico - afinal poucos podem construir um município e uma fábrica de tecidos com seus próprios fundos - e deveria viver cercado de pessoas fúteis e falsas, em busca de status e de privilégios. Mas, veja só, terminou seus dias com apenas quatro amigos. Talvez esses fossem realmente seus verdadeiros amigos.

"Nessa sala, Sr. Malvini passou seus momentos finais até sua derradeira morte em 1965. O próprio empresário considerava essa sala um dos lugares mais sagrados de sua vida, chamava-a de seu 'pequeno templo da amizade'. Em uma pequena nota em seu diário ele escreve - 'Estou falindo, mas sinto que precisava passar por isso para descobrir o que é amizade; Rubens, Chico, Almir não me abandonaram. Vem em minha casa todo domingo e jogamos por horas a fio cartas e discutimos assuntos diversos, desde a nova Miss Brasil até a origem dos sonhos. A riqueza pode ter me abandonado, mas a amizade não, hoje eu vejo. Como fui abençoado com estes amigos fantásticos! Nada pode me fazer esquecer os momentos que passamos juntos. Nem a morte!"

Gostei do guia ter usado as palavras do próprio falecido. Achei a última muito forte, aliás. Imagino como aqueles anos sombrios devem ter sido divertidos quando estes homens se reuniam aqui. Aqui eles deveriam esquecer de tudo e serem apenas bons e velhos amigos. Interessante.

"Agora, vamos conhecer o escritório do Sr. Malvini..." Antes de sair da sala com o resto da excursão dei uma última olhada no lugar e pude ver se materializando naquela cadeira quatro senhores caquéticos gargalhando em alto e bom som enquanto embaralhavam as cartas.