Bibelô Surreal

...E estava Eu sentado, como uma peça decorativa em meu sofá.

Um Bibelô surreal, vidrado no aquário elétrico, sem perceber que Peixes boçais hipnotizavam-me e violentavam-me a mente, lapidando-me para poder “viver” de acordo com a ética e a moral vigente, ditadas por seres “antiéticos e imorais”.

O que? Não, não me acho acima do Bem e do Mal, pois, com efeito, digo-lhe que percebo melhor o Bem e o Mal.

O que? Arrogante e presunçoso?

Pode ser, porém reservo-me este direito. Por quê?

Porque não tenho pudores de dizer o que me vai ao coração, mas nem sempre foi assim.

Permita-me voltar a minha linha de raciocínio.

Dizia Eu, que estava sendo preparado (não acho de bom tom dizer “lobotomizado”, não é mesmo?) para ser um cidadão Cristão maniqueísta, submisso ao capital e de cultura igual a da média (medíocre soa ofensivo, não?).

Em troca teria o direito de escolher (ou votar, tanto faz) quem iria tornar minha vida mais árida, lógico que sei que todos mentem, porém é preciso acreditar, pois a esperança é burra, e pior recusa-se a morrer.

Ah, e se Eu conseguisse ser livre o suficiente, tinha também o direito de escolher minhas crenças. O Deus que me parecesse mais em moda eu o seguia. Claro que às vezes fica difícil seguir um Deus, não é mesmo?

Deixe-me lhe contar uma história:

Eu devia ter uns dezesseis ou dezessete anos, tínhamos acabado de mudar de bairro, minha família e Eu...

Não lhe falei? Pois é tenho família, pai, mãe, irmãos e os problemas; não deixa de ser engraçado, né? Os problemas (digo problemas para não dizer “Absurdos”) são tão constantes que os tomamos por parentes. Mas isso é outra coisa, falemos disso mais tarde, ok?

Bem vejamos, Eu estava a lhe falar sobre o que mesmo?

Ah, é mesmo! Então como era novo no bairro e não conhecia ninguém, e Eu também não sou dos mais sociáveis, não que seja Eu um “bicho do mato”, mas é que sempre achei que Eu me saia melhor como meu Amigo, todavia, isso não me impedia de conhecer pessoas ao longo da “trincheira”, oh desculpe-me a ironia, é que onde Eu morava não era, bem, assim um bom lugar para se sobreviver, sim, sobreviver, pois ninguém vive numa guerra, quem sobra é sobrevivente.

Peço-te que não se chateie, se me demoro com pormenores, mas se tem uma coisa que aprendi é colocar a mostra com mais nitidez os pequenos detalhes, só assim para se evitar mal entendidos, e é meu desejo sincero que me entenda bem, que não fique dúvidas a meu respeito e ao que penso, pois só assim sou livre, pois sou totalmente responsável por Mim e pelo que digo.

Mas vamos lá, numa dessas trincheiras, conheci uma garota, melhor dizendo ela me conheceu, pois sim, ela havia feito contato comigo, porque seus hormônios gritavam e ela precisava se achegar a mim, não por ser Eu uma pessoa “especial”, mas sim por ser novo no bairro, e não pense você que Eu me deprecio, pois sei bem que sou privilegiado em termos de aparência e porte físico, não espere hipocrisia com falsa modéstia de minha parte, pois não sou cego e tenho consciência de Mim mesmo.

Portanto é bem lógico chamar a atenção ao ponto de me transformar em troféu, bem admito que só inicialmente, depois passo a ser um Bibelô surreal.

Mas o fato é que essa garota chegou a Mim, pois isso aumentaria sua popularidade em meio a suas amigas igualmente fúteis, mas até entendo-as, pois somente queriam ser felizes, e serem admiradas causava-lhes uma certa felicidade, era como estar no topo, mas não entendo, porque do topo tudo o que se podia ver era a mediocridade se condensando, se solidificando.

Estranhamente essa garota convidou-me para ir a uma igreja evangélica.

Parei, pensei bem, olhei bem fundo em seus olhos e disparei.

- Quer saber? Este negócio não está dando certo, não posso mais!

- Que negócio? Do que você está falando Guto? O que não pode mais?

- Essa situação, você me carrega a todos os cantos só para me mostrar, e agora você quer me enfurnar em uma igreja, aposto e ganho que é só para demonstrar as suas “irmãs” como seu namorado é bonito e alto!

- Não, não é nada disso não, eu te amo!

- Você me ama? Tem certeza? Como pode me amar se não me conhece?

- Claro que te conheço Guto!

- Não, não me conhece, nada sabe sobre Mim, sobre o que me vai à Alma, sobre meus Pensamentos, sobre meus Medos, minhas Alegrias, meus Anseios, enfim nada sabe sobre Mim.

- Não é verdade, eu sei que te amo!

- Por favor, não insista nisso, você vai sofrer mais e sem razão, pois o que sente por mim é uma euforia, na verdade você ama me mostrar como se Eu fosse um Troféu, ou melhor dizendo um Bibelô Surreal, como se eu fosse um aparato a ser admirado, mas saiba que sou muito mais do que isso, entendeu?

- Oh, Guto não fale assim comigo, não faça isso, eu te am...

- Chega, basta já me decidi, e no futuro você entenderá que foi o melhor a ser feito, Eu sou muito Complexo e você não entende esta complexidade! Adeus seja feliz em sua vida.

Virei de costas e comecei a caminhar a passos largos, quase correndo, pensando bem até tive pena, mas o que Eu podia fazer, Eu não posso ser infiel a mim mesmo, me trair e me anular, realmente foi melhor assim.

Gutemberg de Moura

Gutemberg DeMoura
Enviado por Gutemberg DeMoura em 22/04/2011
Reeditado em 16/08/2019
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