DIA DOS NAMORADOS EM PARIS

DIA DOS NAMORADOS EM PARIS

Eu estava sentado num café em Paris, lendo um romance de Zolá, quando ela passou. Encarou-me por alguns instantes e seguiu o seu destino, senhora de que eu a observava. Fiquei encantado e não pude de deixar de acompanhá-la com os olhos. Ela parou na esquina, antes de atravessar a rua. Provavelmente ia para o metrô. Voltei à leitura depois que minhas vistas deixaram de alcançá-la.

No dia seguinte, na esperança de revê-la, sentei-me no mesmo lugar. Era um café literário muito famoso, que já teve Satre, Picasso, François Truffaut e Simone de Beauvoir como frequentadores, Café Les Deux Magots. Estava cheio de casais, era dia dos namorados (St. Valentine), que na França se comemora no dia quatorze de fevereiro.

O sol também surgiu, depois de alguns dias cinzentos e chuvosos, no céu límpido e azul. Um presente da natureza para os enamorados. Pedi café e fiquei aguardando.

Linda, com seu ar juvenil, ela veio caminhando dos lados da Place Saint Sulpice, onde existem as melhores livrarias da cidade, bom sinal. Estava de jeans e jaqueta com acabamento em veludo adornando o colarinho, realçando o rosto branquinho, contrastando com os cabelos escuros e os olhos azuis como o céu de Paris. Fixei, encantado, meu olhar no seu rosto. Ela percebeu, sorriu para mim e seguiu o seu caminho. Tive a impressão que diminuiu o passo até chegar à esquina. Parou e olhou na minha direção. Então, eu caminhei ao seu encontro. Ela não atravessou a rua, embora o sinal tivesse aberto, evidentemente para eu me aproximar.

- Bonjour! Quel est votre nom ?

- Camille. Et le vôtre?

- Victor, Victor Hugo.

- Parlons en portugais? – Ela disse sorrindo.

- Você é brasileira?!

- De São Paulo. Você é do Rio, nem preciso perguntar.

- Por quê?

- Brasileiro e me olhando daquele jeito quando passei pelo café, só poderia ser carioca.

- Quase não dormi à noite, sabia? Não conseguia tirar você da cabeça... Eu jamais iria imaginar que fosse paulista.

- Como assim?

- Você passou por aqui ontem. Hoje eu voltei para lhe ver.

- Decepcionado porque não sou francesa?

- Claro que não! Você está passeando aqui em Paris?

- Não. Estudo moda no Marangoni. Minha mãe é dona de uma confecção e eu quero ser estilista.

- Eu estou de férias e ganhei a viagem num concurso.

- Você veio sozinho?

- Vim. E você, tem alguém aqui?

- Tá querendo saber se tenho namorado?

- Não. Perguntei se você está sozinha aqui em Paris.

- Moro com duas amigas que também estão fazendo o curso.

- Você tem namorado?

- Tinha, até semana passada. Eu o vi com outra, uma gordinha. Vivia dizendo que eu sou muito magra, o idiota. É um professor lá do instituto, Foi até bom, já estava de saco cheio dele.

- Eu também não tenho. Quer ficar comigo?

- Hoje é dia dos namorados...

- Eu sei. Você quer ser minha namorada, hoje? Amanhã eu vou embora...

- Só se você me prometer que este vai ser o dia mais feliz da minha vida.

- Eu prometo que vou fazer o possível.

Então, saímos de mãos dadas passeando pelos recantos românticos de Paris. Antes, eu quis fazer uma açucarada declaração de amor, oferecendo-lhe um bolo especial para o dia dos namorados, chamado millecoeurs framboise que estava sendo anunciado numa plaquinha em frente a uma patisserie chamada Fauchon Paris, mas ela não aceitou. Disse que não gostava de doces; em compensação, deu-me o primeiro beijo com a boca carnuda e doce, muito doce, deixando-me mais apaixonado. Estranho que ela passou o dia todo comigo e não comeu ou bebeu nada. Assim, não era de espantar o seu corpinho.

Depois saímos passeando de mãos dadas pela beira refrescante do Sena. Atravessamos a Ponte dês Arts, uma das mais bonitas e charmosas de Paris. Nas grades dessa ponte, os casais, jurando amor eterno, prendem cadeados onde registram os seus nomes e jogam a chave no rio. Claro que afixamos um também, com os nossos nomes. Compramos um cadeado vermelho em forma de coração. Depois de jogar a chave no rio, beijamo-nos novamente, no meio da ponte, como se fossemos um casal há muito tempo.

Fomos ver o mur des jê t’aime em Montmartre. É um monumento dedicado ao amor, erigido em um jardim romântico onde está escrita a expressão eu te amo em várias línguas do mundo inteiro e passeamos pelas ruas aconchegantes do charmoso bairro boêmio.

Assistimos ao deslumbrante por do sol do alto da Torre Eiffel. Camille me disse que para ela foi o mais bonito de toda sua vida, apesar de que naquele dia tudo tinha uma beleza diferente para mim também.

Ela ficou comigo no hotel. A minha última noite em Paris foi compartilhada com Camille, namorada por um dia. Uma mulher de beleza indescritível, cujo corpo magro e esguio, harmonioso e delicado eu despi com prazer intenso, encantado com a pele alva e sedosa em contraste com os pelos escuros em triângulo perfeito da eminência pubiana. Deliciosa criatura que me proporcionou uma das noites de amor mais agradáveis que já vivi.

No dia seguinte, antes de partir, fui procurá-la no instituto em que estudava, a fim de me despedir e tirarmos uma fotografia juntos. Queria outra lembrança dela, além daquelas marcadas na minha memória.

A pessoa que me atendeu na secretaria, quando disse que estava querendo falar com Camille, perguntou:

- Camille Martins?

- Não sei. Ela é brasileira, estuda aqui...

- Um moment.

A mulher saiu da sala, demorou alguns minutos e voltou acompanhada de outra, que veio falar comigo.

- Ela foi me chamar porque eu falo português. O senhor está procurando por Camille Martins?

- Acho que sim, eu não sei o sobrenome. Ela estuda moda nesta escola.

- Só tínhamos uma menina brasileira chamada Camille estudando aqui, mas ela morreu há uma semana. Foi atropelada quando atravessou a rua depois de brigar com o namorado.

O local onde aconteceu o acidente, segundo a mulher me informou, foi justamente a esquina onde nos conhecemos.