Zé de Ninguém

Flores cultivadas pelas mãos daquele jardineiro não eram flores, eram a imitação sublime das mais lindas obras da natureza. Era um negro, abnegado, com seus cinqüenta anos vividos ao lado das cores, dos aromas, das folhas e também de espinhos.

Há muito ele era caseiro de uma fazenda. Os patrões apareciam por lá, normalmente, nos feriados ou os seus filhos em algum final de semana.

Quando estes iam por lá, o Negro fazia questão de fazer arranjos com as mais belas flores existentes no seu jardim. A dona da fazenda cobria-lhes de elogios e estes eram muito bem guardados nos arquivos da memória, que muito poucos elogios arquivaram durante a vida.

Ninguém daquelas terras sabia muito da história daquele homem, apenas que não era do município e tinha chegado há muito tempo por lá, sem saber de onde viera e qual era o seu nome. Em pouco tempo foi fazendo amizade pela cidade, até que a dona da fazenda soubera da sua existência e resolvera dar-lhe a oportunidade de trabalho por lá. Primeiro ficou com o gado, mas parece que não sabia muito trabalhar com animais de grande porte. Até que um dia, na presença da dona da fazenda colocara uma flor com tanto cuidado em sua mão , como se tivesse com algo muito precioso , que a mulher sensível às manifestações de afeto, percebera que ali estava o trabalho do homem. Desde então, ele é quem faz o milagre de numa terra inóspita e pouco produtiva ter as mais belas flores da região.

Sabe mexer como ninguém na terra, o momento exato para jogar água nas flores, tudo isso é feito com uma meticulosidade que impressiona a quem vê.

Mas esse homem é um grande mistério. Quando chegara à cidade não sabia o seu nome, nem quem era a sua família, nem muito menos de onde vinha. Muitos preconceituosos e impressionados com a cor preto azeviche dele, imaginavam-no um malfeitor qualquer fugindo da justiça, outros acreditavam que ele era louco.

Mas existia uma outra versão de que ele simplesmente perdeu a memória e assim foi andando por aí, até chegar à cidade. Os pés dele com rachaduras irrecuperáveis era uma pista de que sua viagem fora muito longa e a falta de comunicação com as pessoas, era uma pista que a viagem fora ,também, solitária. Uns com dó davam-lhe comida, água, roupas .

Até que um dia, conheceu a sua patroa, D. Margarida, uma senhora dona de não sei quantas cabeças de gado; o viu encostado junto ao balcão de uma velha mercearia e perguntou para o dono do comércio quem era o homem. Este pouco soube dizer,apenas falou o que todos sabiam e mais outras informações que foram criadas por sua fértil imaginação.

A senhora gostou do jeito dele de imediato e o convidou a trabalhar e morar com ela na fazenda. Ele sem acreditar no convite e na sorte, deu-lhe um sorriso daqueles bem honestos, sem a preocupação com os vazios na boca. E foram para fazenda. Ela tentou estabelecer alguma conversa, mas esse não só não respondia, como apenas dava um sorriso. Ela percebera que dali não sairia muita coisa a ser dita, então tratou de mostrar a fazenda para ele e o que ela queria de ajuda.

Como já dissera anteriormente, o encantamento dele, deu-se com o jardim da fazenda. Assim que olhou, percebera que ele estava um tanto mal cuidado, mal organizado, as flores eram viçosas, apesar do solo pouco propício ,mas desarrumadas.

Ele ficara sendo o responsável pelo jardim da fazenda, jardim este que ficava bem perto da casa grande, acordava com o sol e começaVa o seu trabalho com uma alegria que nenhum outro da fazenda tinha, apesar de pouco se socializar com os outros fazia o seu trabalho conversando com as plantinhas, elogiava-as, ralhava com elas, tratava com todo o carinho quando doentes, enfim, a sua comunicação era estabelecida e parece que compreendida pelas plantas.

Na hora do almoço, era sempre o último a chegar ao refeitório da fazenda, tinha as mãos e unhas sempre sujas da terra. Comia pouco, em comparação aos outros e sempre voltava para o trabalho mais cedo do que todos, pois algumas plantas precisavam ser aguadas justamente naquele período em que o sol estava castigando, mas só algumas, não eram todas. Ele sabia de tudo sobre flores, tanto que uma vez deu umas dicas a uns jovens botânicos de uma universidade que estavam visitando à fazenda. Todos ficaram impressionados com o velho Negro.

Quando fora dormir, nesta noite, estava pensando que já era a hora de partir. D. Margarida tivera sido a pessoa mais especial que ele tivera conhecido. Então, já na madrugada , enquanto todos da fazenda dormiam , ele foi ao jardim e pegou algumas das mais belas flores, sobretudo as rosas salmão e as florinhas do campo que ela tanto adorava e fez um ramalhete dedicado à ela , como não sabia escrever, apenas assinar o nome, pegou um pedaço de papel junto à escrivaninha da sala e caprichou na assinatura de seu nome. Colocou-o junto ao lindo ramalhete na mesa do café da manhã e fora embora com as melhores lembranças de todos da casa.

Quando todos da casa acordaram, perceberam algo diferente, mas D. Margarida, ao ver o ramalhete de flores e a assinatura, percebeu para o seu desconsolo, que ele tinha partido, o bilhete com a assinatura dizia tudo. Ele assinara como Zé de Ninguém.

Ela e os seus filhos ainda tentaram achá-lo, em vão, pois o Zé de Ninguém conhecia trilhas que nenhum morador da localidade conhecia.

Após o episódio, D. Margarida percebera que as flores de maio não eram mais as mesmas, e nem ela.

DaniBabe
Enviado por DaniBabe em 19/04/2011
Código do texto: T2917971
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