OS SAPATOS DE EMÍLIA

Dona Emília, mulher simples e devota de Nossa Senhora, não gostava de andar calçada.

Naquela vida pesada e penada da roça, de lavar, cozinhar, tirar leite e cuidar da criação, ela nem se preocupava em colocar alguma coisa nos pés.

Calendário não tinha. Para quê? Para ela não existia domingo e nem feriado. O dia era a continha de levantar de madrugada para fazer a comida e enfrentar a luta sem fim.

Certo dia, chegou ao seu conhecimento que haveria uma festa do mês de maio na cidade e que a banda de música iria tocar.

-Eu quero ir. – disse ela. - Nunca vi um trem desse em minha vida. Dizem que os instrumentos são bonitos e brilhosos. Vou para escutar e ver o sol reluzir neles e relampear nos olhos da gente.

Na véspera da festa, a lavradora arriou o seu cavalo e partiu.

Chegando lá, sua cunhada lhe falou que não ficaria bem acompanhar a procissão de pé no chão.

No outro dia, ela foi à loja e comprou um par de sapatos e, muito à contra gosto, na hora da festa os calçou.

A procissão era muito grande. Na frente ia o padre, depois o andor com a Mãe de Jesus e nossa também, os anjinhos, os músicos e o povo rezando.

Emília, encantada, acompanhava o cortejo. Nunca tinha visto tanta beleza, pois, só vivia para o serviço, sem ter nada para se distrair.

- Quantas flores! Quantos anjos coroando a Mãe de Deus! – pensava.

Ao chegar ao alto da igreja, muito cansada, com os pés “fuzilando”, sentou-se no meio fio e disse em voz alta:

-Ufa! Não aguento mais! Estes sapatos estão me matando!

Nisso, um senhor conhecido a cumprimentou:

-Boa tarde dona Emília. A senhora está descansando um pouquinho?

-Que nada! São estes malvados sapatos que comprei. Eles estão me mordendo que nem um cachorro doido. Quero arrancar estas porqueiras, mas estou com vergonha.

- Tem razão. A senhora calçou os sapatos trocados.

-Tro-ca-do?! É mesmo?! Engraçado! São os dois de uma vez só!

A mulher tirou o calçado, mas seus pés já estavam cheios de bolhas.

Arrancou o lenço da cabeça, amarrou-os e resmungou:

-Não boto estes troços nem na Sexta-feira da Paixão! Que trem desesperado para morder a gente! Cruz em credo! Vou dar para os outros!

Assim fez. E feliz da vida voltou para o campo descalça, como sempre viveu.