Sem Sapato não Entra

Estava eu e dois amigos a me dar carona.

Saiamos de uma sessão de Fassbinder um pouco atordoados e sonolentos. Iam me deixar na porta de um tal de Clube Olimpíco - que pela experiência descobrir entrar em minha lista dos "10 Lugares que você não deve visitar quando em Maringá", provavelmente agora no topo da lista, junto a lugares como o Country Club e a Ozone.

Quando descemos do carro já podemos averiguar o nível do público.

No convite dizia "Trage Sugerido: Social".

E sem dúvida aquelas meninas usavam trajes sociais. Quer dizer, quem não quer ser social com uma guria que usa uma saia menor que a taxa de analfabetismo da Suécia?

Foi interessante ver a expressão de choque no rosto dos meus amigos, eu como eles não pude deixar de expressar um pequeno riso.

Queridos como são não quiseram me deixar no local antes que eu encontrasse alguém conhecido. Pobre deles. Logo começaram a tocar funk num carro ali perto e ficamos todos com frio e uma sensação semelhante limpar os ouvidos com navalhas.

Assim que encontrei a formanda que me convida. Era uma formatura o Grande Evento. Confraternizamos, apresentei os amigos e esperamos mais pelos outros convidados que estavam em algum bar nos arredores bebendo, como eles dizem fazendo "um esquenta", porque a bebida lá seria como a dos aeroportos. Enquanto não chegaram meus amigos lá ficaram.

Já era tarde quando resolvi entrar, pedi que esperassem, pois talvez não aceitariam minhas jeans e minha imitação de sapato.

Logo estendi meu convite e fiz minha melhor pose social - que não é das melhores.

Um negro enorme me olhou de cima abaixo e disse "Sem sapato não entra"

É claro que daí surgiram discussões, como o sentido semântico da frase "traje sugerido". Tudo bem, nestes locais só se entra em "trajes finos", para citar diretamente o porteiro.

Mais fino que os trajes, somente a dose de boa recepção expressada por eles.

Fomos falar com os outros rapazes que, infelizes, também haviam escolhido o tênis para ir ao Grande Evento, e tal como eu, ficaram para fora.

Acabou que com a Grande Revolução dos Desapatalizados deixaram entrar quem tinha imitações de sapatos, e eu entrei.

Desejava que eu tivesse ido com um tênis.

A noite foi uma das piores de que tenho recordação, e olhe que já tive crises de pânico dentro de um banheiro vomitado.

A noite toda as formandas e seus convidados ficaram dançando músicas animadas e cafonas, por uma banda-show que tentava animar a platéia com frases que pareciam ter sido copiadas por aquele cara da Massa FM, que faz com que meu estômago se revire.

Porém uma das tradições destas pessoas eu tive que copiar.

Fui ao bar, tomei uma, duas, três cervejas.

Precisava ficar embriagado logo, senão o risco de me atirar na piscina olímpica era demasiado grande.

Fui ver a dança de entrada dos formandos.

Alguns foram engraçados, ao menos a festa tivesse acabado aí.

Depois vieram as valsinhas, que foi o momento menos nocivo a minha crescente índole suicída. Depois disso tudo descambou.

Quatro, cinco cervejas. Já estava mole.

Meus amigos chegaram já era quase duas da manhã.

Fui para fora, fiquei olhando os fumantes conversarem. Depois de quase congelar e morrer de tédio voltei para dentro.

Pedi o celular de um amigo, mas ele não quis emprestar, não queria que eu fosse embora.

Tive que ficar a contragosto até quase cinco horas da manhã, já com a embriagues passando. Fiquei quase duas horas sentado na sala de recepção olhando os casais namorarem e eu ficar segurando a vela amargurado com a demora da noite que não passava e a ausência de companhia.

Por sorte, já quase me convertendo a uma religião qualquer para pedir o fim da noite, um amigo resolveu ir embora, disse que daria uma carona.

Lá fora, quatro pessoas e três lugares.

Meus amigos queriam ficar mais e me deram o lugar, fomos apenas eu e o cara que queria ir embora.

Num silêncio dos mais constrangedores fui calado de carona, grato por estar indo para casa, longe daquele lugar e daquela gente.

Tentei puxar conversa uma ou outra vez, depois deixei para lá.

Agradeci a carona quando me deixaram perto de casa.

Fui embora.

Fim da noite.

Gabriel Dominato
Enviado por Gabriel Dominato em 10/04/2011
Código do texto: T2900684
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