ARTES DE CRIANÇA
ARTES DE CRIANÇA
A vida é uma arte!
Depende muito do artista.
São muitas as cores.
Matizes, traços mil.
Na imensa tela do mundo.
Vitória vivia fazendo arte. Adorava quando vinham circos na cidade. Ver aquelas meninas no trapézio era o máximo, ficava sonhando em um dia ser iguais a elas, com aquelas roupas coloridas de tule, bem franzidas e brilhantes, fazer malabarismos, ficar penduradas no alto, brincar com os elefantes, achava muito lindo, parecia um conto de fadas, um mundo de magia. Também adorava os parques de diversão que quando chegavam à cidade, ficavam na esquina de sua casa. Como os artistas compravam no armazém do seu Frederico, sempre davam ingressos para ela e seu irmão. Lembra da roda gigante, dos barquinhos em forma de balanços, do carrossel, do chapéu mexicano. Era tudo muito legal e divertido. Próxima a sua casa tinha a maquina de limpar arroz. Ela e suas amiguinhas gostavam de brincar naquele morro de cascas de arroz, acho que deveriam medir uns cinco metros de altura. Não se sabe como nunca aconteceu nenhum acidente lá, pois as cascas eram fofas e as crianças podiam afundar morrendo sufocadas. Também brincavam muito nos morros de pó se serra da serraria que ficava no final da avenida. Denise, sua irmã, sempre a levava na Rádio e Vitória ficava encantada vendo aqueles discos de vinil long- plays girarem na vitrola.
Um dia, ela estava tão encantada que esbarrou no vinil e a agulha se moveu para frente, fez um barulho horrível e Denise lhe deu uma bronca, dizendo que não mais a levaria junto ao seu trabalho. Também iam à igreja e nos passeios com os colegas, mas sua mãe Hortência nunca deixava Denise sair sozinha, a pobre sempre tinha que levar a irmã à tira colo. Vitória aproveitava para brincar com as meninas da igreja.
Nas férias ela gostava de participar das escolas bíblicas de na Igreja Adventista. Lá eles ensinavam histórias bíblicas, desenhos, quebra cabeça, artesanato e artes feitas com o gesso em forminhas com formato de cestas de flores, esquilos, borboletas, etc. Depois da peça pronta, pintavam e levavam para casa. Cantavam muitos hinetos e declamavam poesias, ela, como sempre, amava declamar no púlpito. Havia competições e carta vez, tirou 1º Lugar. O premio seria para os três primeiros colocados. Era um quadro de papelão grosso como se fosse um pergaminho com um versículo bíblico. Tinham três quadros e ela achou mais bonito o de imensas rosas vermelhas, o outro era com flores do campo e o outro com lindas orquídeas amarelas. Ela achou que ia ganhar o que achou mais bonito, as rosas é claro. Na hora da premiação chamaram o terceiro lugar e deram as flores do campo, o segundo lugar recebeu as rosas e Vitória ganhou as orquídeas. Ficou arrasada, começou a chorar baixinho e uma querida professora se aproximou querendo saber o porquê do choro.
- O que aconteceu? Perguntou.
Ela disse que queria as rosas. Que eram mais bonitas.
E a professora, com grande sabedoria explicou:
- Rosas são flores comuns, você encontra em todos os quintais. As orquídeas são flores raras e de uma beleza inigualável. Existem de muitas formas e cores e só florescem uma vez por ano. –São especiais como você!
E lhe deu um caloroso abraço, aconchegando seu rostinho banhado em lágrimas em seu peito.
Ela parou de chorar e saiu toda saltitante contando pra todo mundo sobre o que havia aprendido sobre orquídeas. Este fato marcou tanto sua vida que tem paixão por orquídeas.
Também amava ir aos cultos realizados nos sítios. Sempre iam de camionete, na carroceria, comendo poeira e cantando:
- “Caminhando vou a Canaã, caminhando vou a Canaã...” Só que na farra inventavam outra letra e cantavam:
- “No caminhão do vô á Canaã...”
Quando algum adulto percebia dava a maior bronca e diziam que estavam blasfemando contra Deus.
Xiii... E depois era só risos.
Participavam da Igreja Presbiteriana do Brasil. Depois dos cultos sempre iam à casa da Raquel. Ela tinha um irmão que paquerava a Denise. Tinha também a Rebeca que era da mesma idade de Vitória. Enquanto os jovens conversavam na sala, as meninas ficavam na cozinha, onde tinha um fogão à lenha e Rebeca pegava os besouros e com uma tesoura, cortava suas patinhas e os jogava na chapa quente do fogão. Vitória no início chorava de pena dos insetos, que indefesos morriam queimados, mas depois se acostumou com aquelas malvadezas todas.
Também existiam muitas touradas, montavam uma lona como se fosse um circo, colocavam uma arquibancada de tabuas, geralmente velhas e sem nenhuma segurança e vendiam bilhetes para as apresentações dos peões e os toureiros. Vitória e seu irmão Reinaldo viviam assistindo os espetáculos, sem nenhuma noção do perigo que representava. Muitas vezes o touro ficava tão feroz que pulava o cercado atacando as pessoas e nós, dá-lhe pernas para correr. O Nelsinho, um conhecido, inventou de fazer touradas numa quadra que era vazia, sem nenhuma casa. Comprou uma lona enorme e montou a tenda. Contratou peões e touros brabos e naquele local fazia os espetáculos. Vitória e seu irmão gostavam de ir assistir as touradas. Mas não era sempre que sua mãe lhes dava dinheiro. Um dia, ela e sua amiguinha de trapaças, resolveram ficar espiando onde Nelsinho guardava os blocos de ingressos. Pouco tempo depois, ele chegou com uma pasta preta debaixo do braço e se dirigiu aos fundos da lona, caminhou próximo de umas tábuas velhas e retirou duas delas. Em baixo tinha um pouco de areia espalhada, a qual ele cuidadosamente retirou e para sua surpresa, colocou dentro de uma caixa de chapéu redonda, vários blocos de ingressos. Voltou a colocar a areia e as tábuas e saiu. Foi então que Vitória e Lurdinha se aproximaram, com o coração batendo a mil por hora, e pegaram um bloco inteiro de ingressos. Saíram em disparada e esconderam o furto dentro do guarda roupas. No dia seguinte as duas malandras distribuíram aqueles ingressos para todas as crianças pobres da colônia do DER e da serraria. Nelsinho nunca descobriu que lhe haviam roubado seus ingressos e não entendia como aquele dia o seu circo estava repleto de crianças.
Como era a caçula, seus irmãos não lhe poupavam com suas maldades. Uma noite, estavam no quarto a Denise e o Reinaldo. Ele brincava com uma bola e ela bordava. De repente chamaram a pobrezinha, que atendeu prontamente e pediram para que ela pegasse um novelo de linha que estava debaixo da cama. Quando ela entrou debaixo da cama, soltou um grito de pavor, seus irmãos tinham pegado uma moranga, furado os olhos, nariz e a boca e colocado dentro uma vela acesa. Parecia um monstro. Quase a mataram de susto.
Um dia, ao final da tarde, a dona Helga, sua visinha pegou um chinelinho de dedo, cheio de perolas e pediu para que Vitória calçasse.
-“Entrou como uma luva. Vou falar para sua mãe comprar ele para você”, disse ela. Hortência falou que não podia comprar e foram embora. Horas mais tarde, dona Helga chegou batendo palmas e disse que tinha ido buscar o chinelo que Vitória havia roubado.
Dona Hortência ficou muito nervosa e insistia perguntando:
-“Onde foi que você escondeu o chinelo?” Ao que a pobre dizia não ter pegado, mas apanhou tanto, que chegou dar uma crise de nervos tão forte em sua mãe a ponto de precisarem levá-la ao medico.
No dia seguinte, logo pela manhã, apareceu dona Helga, toda sem graça, com o chinelo na mão, pedindo desculpas, pois disse que seu filho Wilson havia escondido o mesmo no forno de assar pão, no quintal. Ela disse que havia trazido o chinelo, e que era um presente para Vitória.
Mas esta ao ver aquele chinelo, começou a chorar e sentiu a dor da calúnia, humilhação, vergonha e até ódio pela surra que levara sem merecer.
Começou a gritar:
- “Tira isso de minha frente... Eu não quero isso!”
Sua mãe, cheia de remorsos, a pegou no colo, e convidou dona Helga que se retirasse de sua casa, dizendo que era pobre, mas tinha dignidade e ensinara a seus filhos o que é correto, e que jamais seus filhos seriam ladrões. A Bíblia diz: "Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele". (Provérbios 22.6). Foi o que sempre dona Hortência ensinou aos seus filhos. Sempre dizia:
-“Ser pobre não é defeito, defeito e feio é ser ladrão, porco ou mentiroso”.
Vitória odeia chinelos de pérolas...