O VELÓRIO DO VELHO STONE !

Uma escadaria enorme fazia o acesso para o Convento à esquerda e ao cemitério à direita e entre ambos a sala de velório.Ao lado direito da escadaria havia uma rampa de acesso para carros ao portão do cemitério.

Observava as pessoas chegando, algumas a pé, outras de carro. Era o início de uma longa e monótona noite. Interessante como a morte aproxima os vivos, de todos os eventos familiares a morte é o evento que mais atrai. Parentes não vistos por anos e até décadas surgem como fantasmas à sua frente, pesarosos. Constrangidos lhe apertam a mão e balbuciam frases desconexas e palavras inaudíveis.Afastam-se rapidamente, olham o morto de soslaio e logo se agrupam com seus afins em rodinhas de animadas conversas.

Assim foi no velório do velho Stone, lentamente as horas passam, as pessoas se vão para retornarem no momento do sepultamento e o velado fica quase que só tendo por companhia a garrafa de café que se encontra vazia e uns poucos parentes e amigos.

Já é madrugada e é possível ouvir o farfalhar de batinas nos corredores do Convento e o discreto ranger de portas no silêncio. Os seres notívagos surgem ...bêbados, boêmios, ladrões, prostitutas e outros. Alguns, movidos pela curiosidade, entram no velório. Mal olham o morto, procuram por café, pedem cigarros e se afastam ou são escorraçados.

A madrugada demora muito a passar mas finalmente o dia começa clarear trazendo discretos raios de sol. Os imensos janelões do Convento com sua cor sóbria assentados em peitorais muito largos vão se abrindo aos poucos. Pombas brancas, habitantes do telhado do Convento, revoam defronte aos janelões em busca de migalhas.

Stone se casou com Tereza, bem jovens, ele com vinte e um anos e ela com quatorze.

Dessa união nasceram 23 filhos o que tomou de Tereza aproximadamente 240 meses de sua inútil vida. Tempo suficiente para se comprar uma casa pelo sistema financeiro de habitação da Caixa Economia Federal, ou seja, vinte anos. Por vinte anos Tereza foi mantida grávida ou em quarentena, como as vacas leiteiras. Tereza agora vela seu defunto e chora.

O sol brilha e traz de volta o grupo que participará da solenidade fúnebre. As pessoas chegam refeitas e descansadas, desejosas de darem cabo o mais rápido possível de tarefa tão triste porem necessária.

O caixão do velho Stone é carregado pelos seus parentes que se alternam no trajeto não pelo peso mas para prestarem uma última homenagem segurando a alça do caixão. O cortejo segue vagaroso e silencioso pelas alamedas sinuosas do cemitério. O defunto é leve

e o caixão não tem gavetas como não deve ter mesmo um caixão que se preze já que daqui nada levamos. O peso é o peso da dor, o peso da saudade antecipada.

Foi dessa forma que Stone se despediu desse plano de existência e foi inexistir num plano desconhecido. Fora cristãnmente sepultado numa linda manhã de sol de domingo.

O grupo se desfaz, as pessoas tomam seus destinos e uma pomba alça vôo do janelão rumo ao seu ninho levando no bico um preservativo colhido como migalha. No WC da sala de velório tio João se alivia de corpo e de alma dá a descarga e sai. A vida continua.

Descanse em paz velho Stone.

Luiz Augusto de Andrade
Enviado por Luiz Augusto de Andrade em 08/04/2011
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