A vida formou um médico! (Texto Vencedor Do Concurso "Papo Cabeça") Estará Na Bienal Rio DeJaneiro.
Uma mãe desiludida com a vida por tê-la feito perder uma filha numa gravidez complicada e por erros médicos, traumatizada com a forma em que a vida a sugeriu a sofrer, presencia, então, o que seria a maior reviravolta em sua vida. Esta lhe deu um novo ser em seu ventre. Uma nova vida que preencheria, talvez, o vazio causado por essa perda precoce e tão sentida.
Nasce, pois, a criança batizada como Thiago e, como se fosse um sinal de todos os seres, um sinal divino, já demonstrava, desde pequeno, um talento fora do comum. Uma capacidade intelectual imprópria para um ser tão pequenino. Pode-se dizer ter sido um espanto para a senhora, ainda tão abalada e fragilizada pelos golpes que a vida lhe dera há pouco, ver o seu tão novo filho destacar-se em meio aos outros por sua intelectualidade. Por sua genialidade. Já aos cinco anos de idade, ele cisma com algo incomum. Algumas crianças se encantam pelos desenhos da programação televisiva, outras pelos brinquedos que veem nas prateleiras das lojas infantis. A jovem criança em questão se encanta por algo extraordinário: a medicina. Dizia querer ser médico, salvar vidas. Aos cinco anos, volto a dizer, o garoto sentia que era esse o seu destino, o seu dom, o seu poder para mudar alguma coisa no mundo. Enfrentou a desconfiança de muitos, mas não de seus pais, que sabiam se tratar de um prodigioso e futuro doutor. Alguns diziam ser coisa de criança. Alguns riam do garoto quando lhes explicava seu sonho. Mal sabem os tolos que cabe apenas ao tempo transformar o talento utópico de um pequeno na realidade de um grande.
Passou o tempo, como há de passar, e essa criança foi crescendo, virando jovem. Um jovem destaque que, na escola, era exemplar não só para os colegas, como também para os professores. Suas médias visavam sempre o topo. Seus conhecimentos transcendiam às expectativas de seus mestres. Carregou sua valise de sonhos gigantes nas costas e entrou no colegial. Novamente, com notas altíssimas e a pretensão justa de quem conhece seu ser interior. Tinha o espírito maduro e difundia esta luz por onde passava. É possível dizer que Thiago inspirava as pessoas a tentarem ser melhores. A explorarem seus limites e suas capacidades humanas e intelectuais – ao menos, aos que compreendiam sua luminosidade.
Vale dizer que seus pais eram de uma classe social menos favorecida. Eram pobres, mas não em espírito. Faziam de tudo para dar o melhor para seu filho, que reconhecia imensamente o esforço de seus pais. Seu pai sempre lhe dizia: "Não posso lhe deixar bens materiais como carro, casa e uma poupança cheia, mas lhe darei algo que estará presente por toda sua jornada e que jamais lhe roubarão: seus estudos." Ele cumpriu o prometido. Como sabemos, as escolas públicas não cumprem seus deveres com a sociedade, pois, então, seu pai pagou uma escola particular de madres a ele. Tirou dinheiro de onde não tinha. Fez de tudo para que sua joia tivesse uma boa base, um bom estudo. Impreterivelmente, chegou um momento onde o dinheiro, que já era escasso, acabou. Seu pai perde o emprego e a situação financeira da família entra em uma crise maior que a de tempos passados. O que eles temiam começou a vir à tona: a educação de Thiago estava em xeque. Não podiam mais tirar dinheiro de um não tinham para pagar a escola e foram acumulando dívidas densas e perigosas. Seu pai é chamado um dia para conversar com a madre diretora a respeito de suas dívidas com a escola. No caminho, anda triste pela rua e começa a conversar com Deus pedindo por um milagre ou uma palavra de esperança para que ele arrumasse forças e conseguisse seguir em frente. Não encontrou nenhum anjo. Entrou na escola de cabeça baixa, deprimido, desiludido. Foi à sala da diretora e a explicou sua situação financeira grave. Disse a ela: "Não tenho condições para pagar as mensalidades e terei de tirar meu filho desta instituição". A madre diretora olhou para ele e disse: "O senhor não esta entendendo, seu filho vai continuar conosco. Daqui ele não sai." Ele não compreendeu e questionou: "Mas como, senhora? Eu não tenho dinheiro para quitar a dívida que já fiz com a senhora." Ela respondeu, então: "Seu filho, a partir de hoje, ganha uma bolsa integral conosco e toda a dívida gerada até então não existe mais." Humilde, ele disse que lavaria banheiro, faria de qualquer coisa para pagar por essa tão magnífica gentileza. Mas a madre não aceitou e ainda falou para ele: "O senhor sabe o porquê de tudo isso? Por que o senhor serve a verdadeira graça de Deus." Comovido, ele caiu em prantos e agradeceu a ela. Parecia uma criança quando chora de alegria, de emoção.
Entretanto, a história do menino não acabava por aí. Esse era apenas o começo, já que a luta era constante. Seus parentes diziam para ele e seus pais que ele jamais conseguiria, pois medicina é coisa de gente rica. "Só filho de rico cursa medicina". Seus pais se abatiam por ouvir tais barbaridades de pessoas que deveriam, pelo contrário, servir de apoio para eles. Porém, Thiago não se abatia. Tinha a consciência rara de que seus sonhos eram maiores que as palavras de quem não sabe o que pensa e diz. Tais tolices serviam de combustível para que ele criasse forças e comesse os livros. Quando chegava em casa após a escola, almoçava rápido e já se trancava em seu quarto a fim de devorar as páginas. Ficava ali por horas intermináveis, mas que, para ele, passavam rápido, já que tudo aquilo para ele era claro e tinha um propósito definido.
Chegou a hora em que deve prestar o vestibular para o tão sonhado curso que o direcionaria para sua vida tão mais sonhada ainda. Prestou em faculdades públicas e privadas para concorrer à bolsa de estudos e Deus o compensou pelo seu esforço. O menino humilde, desacreditado pelos invejosos e tolos, passou no vestibular. Passou em primeiro lugar em uma faculdade particular e ganhou sua bolsa integral. A família chorou e ajoelhou ao chão para agradecer ao Pai. Outros obstáculos surgiram no meio do caminho, pois a vida, sábia como é, queria testar mais uma vez a determinação do rapaz. Surgiram problemas na hora da realização da matrícula na faculdade onde, após uma longa reunião, o menino conseguiu realizá-la. Dificuldades surgiram também no começo do curso pela falta de familiares por perto e pela falta de dinheiro para se manter ali sozinho. Não tinha dinheiro para nada. Para se alimentar, tinha que comprar uma marmitex e dividi-la entre o almoço e a janta, senão, dormiria com o ronco do estômago em uma noite sem jantar. Ele se conformava, pois era isso o que dava para ele fazer, então era assim que tinha de ser. Além disso, ele tinha que dividir seu canto com uma família de senhores que nunca havia visto. Era o que o dinheiro reduzido podia pagar. Era como se tudo isso acontecesse para tirar a paz de um sonho de criança, que virou realidade aos olhos cristalinos cheios de esperança.
Mesmo com as dificuldades, o garoto expressava a sabedoria de poucos que Deus concedeu a ele e que aprendeu a usá-la. Aprendeu, então a ser um dos melhores de sua sala de aula. Não encontrou dificuldades na medicina, pelo contrário, ficou fascinado pela experiência que a vida lhe proporcionara e que o contagiava. Entrou nas melhores ligas da faculdade, participou de palestras em outros estados e desenvolveu a técnica de que poucos dispõem: a de ser ouvido e aplaudido de pé por doutores conceituados.
Mais alguns anos se passaram e hoje é um marco importante, pois esse garoto, hoje de 22 anos, chamado Thiago esta no sexto e último ano de medicina. Este ano, a vida dará um presente para um vencedor que lutou e, nas quedas, soube, como poucos, levantar. Nada caiu do céu – nada cai do céu – mas a vida lhe concederá um troféu que será seu diploma universitário e um futuro brilhante pala frente. Nunca desistam de seus sonhos!
Renato F.Marques.
(Texto Vencedor Do Concurso "Papo Cabeça") Estará Na Bienal Rio DeJaneiro.