O CASAMENTO CIGANO

DIA 8 DE ABRIL: DIA INTERNACIONAL DO POVO E DA CULTURA CIGANA

(Saudações a tantos personagens de descendência Rom (cigana) que se destacam nos campos da arte, literatura, cinema, esportes,política, música, dança, etc).

O CASAMENTO CIGANO

...Milosh seguia abraçando fortemente a Jovanka apoiando sua cabeça em seu peito. A jovem não podia controlar a intensidade de suas lágrimas ao mesmo tempo em que rezava pedindo ajuda a imagem de Santa Zara Kali. Sentia muita vergonha e medo pelo que pudesse suceder daqui em diante.

Eles teriam que enfrentar o vexame ao sair de sua tenda. Jovanka seria acusada e apontada pelos dedos de todos os convidados presentes na festa. Ela teria que suportar a discriminação que sofreriam seus pais por essa desonra. Seu sogro poderia exigir sua devolução a seus familiares e o retorno do dote pagado.

Naquela manhã de Domingo estávamos no segundo dia de festa de casamento daquelas famílias ciganas. Do lado de fora da tenda dos noivos, todos os convidados faziam silêncio esperando que a mãe do noivo entrasse na tenda e trouxesse a prova da consumação do matrimônio e da pureza da noiva. Demonstrar publicamente a mancha de sangue nos lençóis das núpcias representava um ritual importantíssimo para a continuidade daqueles festejos.

Desde o lado de fora da tenda, a mãe do noivo, a senhora Loiza, aproximou-se anunciando em voz alta que estaria entrando naquele ninho de amor. Movendo os véus na entrada, dirigiu-se até seu filho e sua recente nora. Jovanka não deixava de chorar e sequer teve o valor de olhar nos olhos de sua sogra. Milosh estava assustado, preocupado, e não deixava de abraçar sua esposa.

Loiza, com uma expressão de muita seriedade, segurou os lençóis e percebeu que ali não havia nenhuma mancha que pudesse comprovar a pureza daquela esposa recém-casada. Indignada olhou seu filho e lhe perguntou:

- Milosh, que fue que sucedió hijo mío? Qué significa esto?...

(Desde que Jovanka tinha 12 anos de idade, os pais de Milosh a escolherem como pretendente para este filho. A menina era filha de uma distinguida família cigana cujos valores e costumes eram mantidos dentro de suas raízes rom (cigana). O patriarca dessa família era um reconhecido comerciante de automóveis com bons contatos comerciais. A mãe de Jovanka era uma senhora muito respeitada por outros clãs, pois ela era uma das responsáveis pela perpetuação do idioma Romani ensinado às crianças ciganas.

Jovanka cresceu aprendendo a realizar os labores domésticos com graça e perfeição. Sua mãe lhe inculcou a higiene e a vaidade para que fosse atraente a seu futuro pretendente. A menina recebeu de seus pais toda a educação e alfabetização em Romani, pois, assim como todas as crianças e jovens desse clã, nunca foi matriculada num sistema regular de ensino.

Quando Jovanka completou dezesseis anos, ambas famílias concordaram que o casamento já poderia ser realizado. Durante uma tarde, acompanhada de um bom café e uma agradável negociação, os pais de Milosh realizaram o pagamento do dote à família de Jovanka.

Para a celebração do casamento de Jovanka e Milosh, as famílias não pouparam esforços. Os preparativos da festa contemplavam uma comemoração de três dias. A primeira providência importante que tomaram foi em escolher a cidade em que seria celebrada a Festa de Casamento, porque esta teria que cumprir com dois requisitos importantes. O primeiro é que teria que estar na metade da rota para que todos os amigos e familiares dos clãs ciganos pudessem viajar e comparecer para os festejos. O segundo detalhe, e não menos importante, é que teria que haver um grande espaço físico autorizado pelo governador local para a instalação das tendas. Ao se juntarem todos os clãs, seria um número aproximado de 120 pessoas distribuídas em mais de 30 tendas. Dentro de um contexto de qualquer cidade, a instalação dessas famílias ciganas e este casamento não passariam despercebidos.

Para o primeiro dia de festa, os clãs se dividiram nas tarefas de preparação da celebração do casamento. Os homens se encarregaram da preparação dos cordeiros, assando-os lentamente nas estacas de madeira. As mulheres ficaram dentro das tendas preparando os mais saborosos pratos e doces típicos. Para aquela festa não pôde faltar uma saborosa sopa ao estilo cigano, preparada com grão-de-bico, abóbora, batatas e vagem.

Como todo casamento cigano, a alegria, a música e a dança foi um trio inseparável. A muitos quilômetros de distância daquele acampamento era possível observar e escutar os sons dos violinos e do acordeom. Era como se estivéssemos apreciando uma apresentação ao vivo do grupo “Taraf De Haïdouks”, com aquela alma nostálgica e virtuosa, cuja música era acompanhada pelas batidas de palmas e pés. A sensualidade e beleza feminina faziam-se presentes naquelas mulheres de longos vestidos. A noiva, com seu lindo vestido enfeitado com pedrarias, ostentava um precioso colar, relíquia da família que lhe foi presenteada para aquela ocasião.

Alegria, alegria! Festa de Casamento. Tradições ciganas!

Ao final da noite cada grupo familiar começou a retirar-se para suas tendas. Mas todos os olhares estavam atentos à tenda dos noivos, a mais linda e adornada daquele acampamento. Aquela celebração tinha chegado ao seu momento mais significativo dentro de um casamento cigano: a consumação da união e a comprovação da virgindade da noiva. Antes que o casal tivesse entrado em sua tenda, as mulheres mais velhas dos clãs enfeitaram a cama dos noivos com muitas rosas e cravos, simbolizando a entrega da pureza de Jovanka a Milosh.

Durante o período de noivado, que durou alguns meses, Jovanka e Milosh puderam se encontrar somente em duas ocasiões acompanhados de alguns familiares. Naquele primeiro dia de festa, tampouco estiveram sozinhos porque não lhes era permitido. Logo, aquela noite de núpcias seria o momento que realmente o casal estaria juntos por primeira vez.

Ao amanhecer, como ritual tradicional dentro de um casamento cigano, a senhora Loiza, mãe do noivo, teve que entrar na tenda dos recém-casados para mostrar aos convidados o lençol que confirmasse a virgindade e pureza de Jovanka. )...

- ¿Milosh, que fue que sucedió hijo mío? ¿Qué significa esto?

- ¡Mamá, no sabemos qué pasó porque Jovanka no sangró!

-Hijo mío, está mujer era impura? ¡Si me lo confirmas la devolveremos a su familia!

- ¡No mamá, Jovanka era virgen! ¡Se lo juro!

A senhora Loiza olhou profundamente aos olhos de seu filho e de sua nora e pôde ver naqueles semblantes muito desespero. Como mãe e mulher madura, ela percebeu que eles não estavam mentindo. Mas algo precisava ser feito, e de forma urgente. Loiza levantou-se e caminhou até o canto da tenda que estavam os utensílios domésticos levando consigo o lençol. Com uma faca em suas mãos, realizou um corte em seu dedo e deixou que algumas gotas fossem derramadas naquela pano branco. Saiu da tenda com o lençol em suas mãos, levantou-o em alto e mostrou-o a todos os convidados de que seu filho havia consumado seu matrimônio e que Jovanka era uma moça pura.

Desatou-se naquele acampamento uma verdadeira euforia entre os presentes. Escutou-se aplausos, gritos, palmas e alguns tiros de escopeta para o céu. A música e a dança recomeçaram naquele segundo dia de festa.

Alegria, alegria! Festa de Casamento! Tradições Ciganas.

Nota: Esse texto foi inspirado a partir de um documental realizado por um canal de televisão chileno que acompanhou alguns casamentos de famílias ciganas residentes neste país. As famílias apresentavam grandes contrastes quanto às condições econômicas, havendo cerimônias luxuosíssimas e casamentos mais modestos em acampamentos. Mas ambos tinham algo em comum: os rituais e os atos simbólicos eram voltados à supervalorização da virgindade da noiva. Outra motivação foi à observação do comportamento de famílias ciganas que comumente se instalam em minha cidade. Sempre apresentam características semi- nômades e mantêm sua identidade cultural comunicando-se em seu idioma Romani. Desejo esclarecer que esse conto não pode ser interpretado como uma representação verídica das manifestações culturais de famílias ciganas, uma vez que se trata de um texto meramente de fantasia. Na atualidade, muitas famílias vivem em residências fixas, as crianças e os jovens estão ingressados no sistema escolar e compartilham com todo o acesso tecnológico dos nossos tempos.

Millarray
Enviado por Millarray em 07/04/2011
Reeditado em 07/04/2011
Código do texto: T2894378
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