Casual
O sol tentava escapar das nuvens enquanto seu coração futilmente apagava as lembranças daquela noite. Havia tempos que o mundo não tinha mais sentido, mas ainda restava a esperança de reencontrá-lo. Mas nem ela nem a esperança sabiam onde.
O conflito entre razão e emoção. Droga! Isso sempre a atormentava. O coração, a parte idiota, iludida e covarde, buscava sem cessar uma maneira de se entregar totalmente a ele, enquanto a razão se esquivava, lembrando-a de que ela sabia o que aconteceria horas depois.
Ele finge que a ama, ela se entrega e crê. Ele desaparece, sabe-se lá como, e ela se perde pelas ruas, buscando-o. Já havia dois meses que esse jogo de sentimentos começara.
Radial Leste, dezoito horas, ela seguia a pé desde a Móoca, já chegando no Belém. Tanto barulho, tanta solidão, tantas pessoas dentro de tantos carros... Parados. Tanto quanto sua mente, que já desistia de convencer o coração. Andava sem rumo e sua casa estava bem distante dali.
O nome dele ela não sabia, também não sabia nem onde nem se trabalhava. Preferia acreditar que ele era um anjo do amor, ou da dor. E qual é mesmo a linha que separa essas duas sensações? Mas, mesmo sabendo que doeria, aceitou viver assim.
Conheceram-se numa noite na Vila Madalena, Rua Aspicuelta, lembrava-se bem. Ela não gostava de bares ou baladas, mas, após o pessoal do trabalho muito insistir, acabou cedendo. Trocou alguns olhares com ele e, de repente, o garçom lhe entregou um guardanapo com um número de telefone e um recado: “Espero que você me ligue, ou, ao menos, me dê o seu número.” Uma gargalhada histérica de sua colega de trabalho contagiou a mesa e várias gracinhas foram ditas. Na outra mesa, na que ele estava, não foi diferente. O admirador-nem-tão-secreto possuía uma risada doce, quase que infantil, que a fez sorrir discretamente. Mandou de volta seu número pelo garçom, que estava acostumado com este tipo de xaveco.
Já deveria saber que as coisas não funcionam tão bem assim. O primeiro encontro foi uma maravilha e acabou num quarto de um motel que mais parecia um chiqueiro. Na manhã seguinte, estavam apenas o dinheiro e um bilhete escrito às pressas dizendo adeus no criado-mudo. Sentiu sua garganta sufocá-la e algumas lágrimas rolaram por seu rosto. Usada, suja e despenteada. Como se tivesse sido vítima de um estupro concedido. Vítima, só podia ser gozação! O destino e a tal conspiração universal riam. Ela havia procurado isso e não tinha como fugir desse fato. Algo irrefutável.
Remoeu aquela noite por madrugadas inteiras, julgando-se vulgar e desvalorizada. Uma mistura de arrependimento, orgulho e insegurança a fez apagar o número dele de seu celular, caso houvesse algum ímpeto de ligar para ele. Ou caso ele ligasse e ela não quisesse atender.
Um sms foi mandado como pedido desculpas, três semanas depois. Não adiantara ela apagar o número, assim que o viu no visor, sabia quem era. Ele se justificou, dizendo que recebeu uma ligação urgente do irmão e marcou outro encontro. Ela foi, pensando que seria uma boa oportunidade de dar-lhe um tapa na cara. Acabaram no banco de trás do carro, que tinha sido estacionado numa rua deserta, após ele sussurrar que a adorava. Enquanto sua consciência desaprovava a atitude, seu corpo e seu coração agiam, sincronicamente, em concordância.
Ele a deixou no metrô, após ela muito insistir. Não queria que ele soubesse onde ela morava, tinha medo do que aconteceria caso ele subisse em seu apartamento. Tentou ouvir a voz da razão, pelo menos uma vez. Ele sorriu e ela se despediu com um aceno, entrando na estação logo depois.
O mesmo arrependimento bateu à porta. Pensava sobre sua história de amor. Amor? Desta vez o destino gargalhou. Ele nunca diria que a amava e estava na hora de ela escolher se queria viver uma grande história de amor ou apenas umas noites de sexo casual. Deixou que o tempo escolhesse, já que não tinha coragem suficiente para tanto.
Ligou o celular pela manhã, dormia com o aparelho desligado, e se deparou com uma mensagem nova na caixa postal. Discou o número para ouvir o recado a contra gosto, pois seus créditos iriam pelo ralo apenas para ela ouvir mais uma proposta de mudança de plano da operadora. Seus devaneios foram interrompidos por uma voz conhecida, a dele. Dizia para se encontrarem dali a duas semanas. Ela mandou um sms como resposta, agradecendo o convite, mas que não poderia ir por causa de uma festa de família. Na verdade, não queria ir porque estava envergonhada de si mesma.
E um mês depois daquela mensagem na caixa postal, ela deixou de ser orgulhosa e o convidou para ir ao Parque do Ibirapuera. Mentalizou todas as formas que ele diria não, antes de ligar, para não se desiludir, gostava de pensar nas piores possibilidades para evitar uma decepção. No final das contas, ele aceitou e eles combinaram de se encontrar no final da tarde do próximo sábado.
Depois de muito conversarem e por muita insistência da parte dele, terminaram a noite no banco de trás do carro dele de novo. Todas as sensações que ela poderia sentir se misturavam naquele momento fazendo-a perder a consciência do próprio fato de existir. Após vestirem as roupas, ele a deixou no metrô novamente e ela se sentiu mais suja do que na primeira vez que isso ocorreu e prometeu a si mesma que seria a última vez que o veria.
Trocou o número do celular e extinguiu a pequena vida social que tinha. Andava pelas ruas sem saber muito bem aonde ir, depois que saía do trabalho. E pensava nos dois meses que já passaram desde que o conheceu. Limitava-se a apenas visitar alguns parentes aos finais de semana. Uma de suas tias pediu-lhe que fosse ao aeroporto buscar a prima, que vinha da Alemanha, depois de seis meses de intercâmbio, que chegaria no próximo sábado. Cedeu de má vontade.
Quando se deu conta, já era a hora de sair de casa para ir até o aeroporto. Pegou o carro da tia emprestado e foi em direção a Guarulhos. Corria até a portão de desembarque quando viu um vulto conhecido. Ele estava em sua frente e ela não conseguia falar. As pernas tremeram a visão embaçou-se. Não sentia nada além das batidas rápidas do coração e da falta de ar. Sua expressão tornou-se algo vazio e quando ele sorriu o que estava em volta desabou. Queria correr até ele, perguntar aonde e por que ele ia com aquela mala gigante, queria abraçá-lo e marcar outro encontro, queria ir com ele. Ele sorriu e disse que estava indo a Paris. Murmurou que estava atrasado e se afastou depressa, sem ao menos acenar. Ela continuou parada no mesmo lugar, sem enxergar nada ao redor. Lembranças passaram a mil por hora em sua mente e lembrou-se de sua promessa. Aquela não tinha sido a última vez.