Porta Retratos - Parte I
Sobre: Esse é um novo projeto que estou desenvolvendo. Resolvi que será interessante depois de tanto tempo afastado do site. Será postado em partes. Espero que vocês gostem.
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Retrato De Um Tal João Da Silva
Todos os dias o senhor João da Silva ia e vinha trazendo sua carroça sem cavalo, que ele mesmo carregava. Em cima, tudo o que ele podia vender: garrafas pet, caixas de papelão, pedaços de caixa de papelão, isopor, ferragem, corda, alguns metros de fio, mais garrafas pet, lixo... e nenhuma esperança.
Era tarde de verão, sol a pino, nenhuma nuvem. João da Silva martelava em sua cabeça como a vida era uma desgraça. Tinha dois reais no bolso, quarenta anos e roupas que mais pareciam trapos. Nos pés, um chinelo havaiana gasto no calcanhar e muitos calos. Da pele negra brotavam gotas de suor e marcas das veias nos músculos fortes do trabalho forçado. Quando ele chegaria ao seu destino?
Lá pelas seis da tarde, depois de ter passado o dia andando, sem almoço decente, a pele do calcanhar dura feito pedra, vendeu tudo o que conseguiu pegar pela rua. Ganhou nove reais e setenta e cinco centavos. Abriu um sorriso. A vida não era tão ingrata afinal!
Comprou um pouco de carne e conseguiu umas verduras que tavam sobrando no sacolão perto de casa. A patroa recebeu alegre o que João levou pra casa e cozinhou junto com o feijão que vinha na cesta de ajuda do governo. Passou o jantar reclamando das notas baixas do filho mais velho, Rui, e dizia que se ele não tinha cabeça pra estudar que trabalhasse pra ajudar em casa. Os dois meninos mais novos olharam o pai dar uma coça no irmão. Foi de leve dessa vez... "Amanhã tu vai pra rua comigo!"
De noite os garotos dormiram. João transou com a esposa e a mulher ficou satisfeita porque tinha carne em casa. Era madrugada quando João saiu pra "lage" e fumou um cigarro olhando pra lua e pensando como a vida podia ser boa se agente tentasse. Nem percebeu que Rui fugiu de casa...