NO COLETIVO

Todos os dias, eu tomava aquele ônibus, era a minha rotina, sempre no mesmo ponto e impreterivelmente no mesmo horário. Nesta minha aventura cotidiana eu pude presenciar toda a sorte de dos mais inusitados acontecimentos que para mim se tornara tão banais.
Como sempre fazia, eu procurava a janela. Não gostava de sentar-me no corredor, afinal, a janela era o meu ponto estratégico de observação, o qual eu usava pra passar o tempo.
Naquele ônibus pude conhecer muitas realidades e presenciar vários acontecimentos. Ali mesmo eu conheci o Sr. Cerqueira, um ótimo motorista e também uma boa pessoa, que, entretanto não gostava muito de transportar idosos. Também conheci a D. Glória, uma senhora muito bacana que sempre reclamava porque o ônibus parou fora de ponto. Freqüentes eram as vezes que eu presenciava discussões entre o cobrador e algum passageiro por conta de um troco ou qualquer outro motivo fútil.
A cada ponto de parada, aquele carro enchia, aliás, como a turma dizia, “lotava” e eu aproveitava para assistir a minha novela da vida real, cada dia um capítulo, com direito a reprise e cenas das mais diversas.
Lá no fundão, tinha uma galera que batucava e cantavam musicas do axé ao funk. Enquanto alguns passageiros curtiam e faziam coro, muitos achavam o barulho insuportável. Em algum ponto eles desciam e gritavam, “valeu motor!”, Os que não pagaram a passagem ainda completavam, “cobrador, fique com o troco!” As meninas gritavam “Uiiiiiiiii!” e Riam e assim a viajem prosseguia.
Em alguns pontos subiam vendedores ambulantes, que se esbarrando nos passageiros anunciavam os seus produtos e eu mesmo tempo que assistia lá dentro, olhava lá fora pela janela tentando não perder um só lance. Logo vi um carro que invadiu o sinal vermelho, “quanta imprudência”, vi também um motoqueiro que arrancou o retrovisor do carro de uma madame que lhe dera uma fechada minutos antes e dois homens que discutiam por causa de uma ultrapassagem, um deles parecia estar armado e dizia todo o tipo de ofensas. O barulho da discussão se perdia com o som de sirenes, era uma ambulância que socorria em meio ao transito uma parturiente que estava dando à luz, naquele momento.
Em meio a aquele monte de rostos curiosos, ainda pude ver uma menina de prováveis 11 anos que cheirava cola. “O que será dessa menina?”
Estas cenas ficariam gravadas em minha mente, todas elas, inclusive a daquele homem que entrou com uma bíblia pregando e contando um testemunho, poucos lhe deram importância, mesmo os que estando ali se diziam cristãos e este desceu em um ponto próximo.
Em minha viajem, pude ver cenas lindas e emocionantes, porem também vi cenas as quais eu não desejaria ter visto. Cenas fortes, como a daquele garoto baleado, morto após empreender uma tentativa de assalto. O seu atirador? “Ninguém viu”, mas o homem que desceu antes do próximo ponto, saiu Dalí como herói.
Desci do ônibus no ponto rotineiro e os fatos ficariam registrados, alguns com hora, data e local. Uma novela real filmada ali no coletivo. As cenas tristes, no fundo me faziam e ainda me fazem refletir, o quanto estamos cada vez mais distantes de Deus!

A Alma de um Poeta(Pinho Sannasc)
Enviado por A Alma de um Poeta(Pinho Sannasc) em 28/03/2011
Reeditado em 28/03/2011
Código do texto: T2875352
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