Coração de herói
Dois irmãos moravam em um sítio com os pais. O mais velho gostava da terra e de cuidar dos animais, já o mais novo queria mesmo estudar e ter uma vida na cidade. Apesar das diferenças eles eram amigos inseparáveis, o mais novo admirava muito o seu irmão mais velho e sempre o chamava de herói, por causa da força que ele tinha para carregar as caixas cheias de vegetais que eram colhidas pelo pai.
Outro motivo do mais velho ser um herói para o mais novo era que diariamente ele o acompanhava até a escola para protegê-lo de qualquer perigo. A escola era muito distante das terras da família, então o mais velho por amar muito seu irmão, sempre ia com ele sem reclamar. Ele até gostava, porque no caminho eles conversavam e davam muitas risadas. E assim essa rotina permaneceu durante muitos anos.
Chegou à adolescência para o mais novo e essa rotina ainda permanecia, não era nem mais pela proteção, o irmão mais velho, já um adulto, continuava a acompanhar o caçula porque era a única hora do dia que eles permaneciam juntos. E como os dois gostavam disso.
Certo dia os valentões do colégio começaram a agredir e caçoar do mais novo porque ele tinha um irmão “caipirão burro”. O irmão mais novo nunca corrigia o jeito errado que o seu irmão falava, respeitava o fato dele ter saído do colégio para ajudar a família no plantio. Por causa dessas agressões que ele sofria, passou a ter vergonha do seu irmão e odiar a vida que tinha no sítio.
Então ele passou a não querer mais a companhia do seu irmão no caminho do colégio, e discutiam frequentemente, já que o irmão mais velho queria se aproximar e o mais novo não queria nenhum contato com o seu antigo herói... A harmonia naquele lar tinha acabado e os pais não sabiam o que fazer... E assim seguiram os dias até reinar o silêncio entre aqueles que eram melhores amigos.
O irmão mais velho já não trabalhava mais direito, já não tinha prazer em fazer nada e as coisas só pioraram quando o mais novo conseguiu passar para uma faculdade que ficava na capital e teve que se mudar. Agora além do silêncio que durava quase três anos, o mais velho ficaria sem ver o irmão que tanto amava.
Embora longe, o caçula nunca deixava de ligar para os pais, mas nunca perguntava pelo irmão. A cada ligação o mais velho ficava feliz por saber que seu irmão estava bem, mas sentia uma punhalada no peito, porque o caçula não se importava mais com a existência daquele que um dia fora seu herói.
Com a chegada das férias o caçula resolveu visitar a família, quando estava na estrada voltando para aquela terra que um dia foi o seu lar, sofreu um trágico acidente e foi parar no hospital. Os pais souberam da notícia e logo ligaram para o irmão mais velho que tinha ido fazer entregas no centro da cidade, ele imediatamente parou tudo que estava fazendo e correu para o hospital. Chegando lá, entrou correndo na recepção querendo notícias do seu irmão caçula. O médico veio com uma expressão triste e disse que o caçula iria precisar de um coração e como moravam no interior seria muito difícil conseguir um doador. O irmão mais velho completamente atordoado foi ver seu irmão no quarto e se chocou ao ver aquele garoto cheio de vida e de sonhos, completamente intubado. Ele passou pelos pais dentro do hospital e nada falou, foi direto para casa e começou a escrever uma carta.
As lágrimas não paravam de cair quando as mãos trêmulas seguraram um frasco de veneno e um telefone, ele ligou para o pai e disse:
_ “Pai, desculpe por fazer isso, mas tomei a decisão de salvar o meu irmão dando o meu coração para ele, peça para uma ambulância vir me buscar, pois assim que desligar o telefone vou tomar um veneno, mas meu coração ficará em um bom estado. Tem uma carta em cima da mesa e eu gostaria que o senhor entregasse ao meu irmão assim que ele estiver bem”.
Antes que seu pai falasse qualquer coisa ele desligou o telefone, o pai desesperado ficou sem chão e correu pedindo uma ambulância, ele ainda tinha esperança de salvar os dois filhos. Entrou na ambulância com a equipe do hospital, mas quando chegou em casa era tarde de mais, seu filho mais velho estava morto. Chorando, pegou a carta e disse que realizaria o último desejo do filho.
Foram para o hospital e lá começou o processo cirúrgico, apesar do caçula já estar muito fraco, o transplante foi um sucesso. Quando o caçula acordou no quarto, viu os seus pais. Ele sorriu, mas não entendeu o misto de felicidade e tristeza que tinha na face dos pais. Ele perguntava, mas seus pais nada falavam e assim seguiram os dias até ele receber alta.
Quando o caçula chegou em casa sentiu a falta do irmão. Depois de tudo que tinha passado, resolveu engolir o orgulho e fazer as pazes com o ele. Ele perguntou ao pai onde estava o irmão. O pai em silêncio lhe entregou uma carta que dizia:
_ “Querido irmão, não suportei ver você naquele estado e resolvi salvar a sua vida. Não quero que se culpe, mas o mundo sem você estava sem graça demais para mim e eu não queria que todos que te conhecem sentissem a mesma falta que eu sentia de você. Em todos esses anos que ficamos sem nos falar, eu perdi o interesse em tudo, a única coisa que eu fiz foi estudar para que você não se envergonhasse mais de mim. Peço que cuide bem dos nossos pais, pois eles vão precisar muito de você e peço mais uma vez que não se culpe. Te amo muito. Não chore, porque a partir de agora estarei para sempre com você”.
Ao ler aquelas palavras, filmes se passaram na cabeça do caçula. Ele só pensava em tudo de bom que ele tinha vivido com o seu irmão e no tempo que tinha perdido por causa da sua imaturidade. Ele perdeu o melhor amigo, ele perdeu o seu herói....
O caçula largou a cidade e passou a se dedicar na vida do campo junto com os seus pais. Por mais que aquela tragédia tinha causado fortes dores, ele conseguiu ter uma vida feliz. Afinal toda essa força vinha do coração de um herói que batia no seu peito.